sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Capitulo Vinte - Novo Lar

O sol começava a nascer no horizonte. O céu agora tomava um tom de vermelho alaranjado. Meu rosto estava amassado contra o vidro do carro tentando identificar os borrões que passavam a minha volta. Meus braços começavam a ficar dormentes, mas eu estava tão exausta que não tinha coragem de me mexer. Eu ainda apertava o pingente com força, fazendo com que meu dedo polegar ficasse dolorido. Eu podia sentir o olhar de Sam em mim por toda a viagem, o que me deixava preocupada já que pela velocidade que ele estava, ele deveria prestar mais atenção na estrada.
Mesmo com os poucos raios solares que começavam a aparecer, eu podia ver que uma pequena cidade se aproximava. Sam diminuiu a velocidade do carro assim que as primeiras casas começaram a passar. Estiquei minhas pernas achando que finalmente havíamos chegado ao nosso destino.
- Ainda falta um pouco Anne. Nosso destino é fora da cidade. – a voz de Sam preencheu o carro e quebrou o silencio que pairava há horas.
Me virei , buscando esticar o máximo que dava dos meus braços e pernas, que agora estavam irritantemente doloridos.
A cidade passava agora mais lentamente do lado de fora. As pessoas poucas pessoas que estavam nas ruas, olhavam com curiosidade para o carro. Uma criança que estava no colo da mãe chegou a apontar para nós.
Matt. O pensamento surgiu em minha cabeça e eu me culpei por não ter reparado sua ausência antes. Sam havia me dito que Matt encontraria com a gente no aeroporto antes de partirmos para França. A preocupação começou a surgir e me sufocar. Algo havia acontecido pra os planos não seguirem da forma correta. Sam percebeu a minha aflição e me olhou intensamente, eu sabia o que ele estava fazendo e preferi assim, minha voz tinha novamente ficado presa em minha garganta.
- Eu também não sei Anne. – seu rosto se congelou numa expressão fria. – Ele me mandou uma mensagem, mas isso faz horas.
Fiz força para falar, minha voz saiu rouca.
- Que dizia a mensagem?
Ele apertou o volante, e eu podia sentir a tensão de seu corpo.
- Que ele ia se atrasar, só isso. Você não sabe o quanto isso me deixa... – ele respirou fundo e encostou a cabeça, mas seus braços estavam esticados nervosamente – Pode ter acontecido algo de grave.
Eu afundei na poltrona do carro, tentando ter pensamentos otimistas, mas do jeito que minha sorte andava provavelmente algo errado acontecera. Encostei meu rosto no vidro novamente e abracei meus joelhos. Agora, tentando desviar a minha cabeça desses pensamentos, tanto otimista quanto pessimista.
A cidade aos poucos ficava para trás e uma estreita estrada começava a surgir em nossa frente. Sam reduziu a velocidade até pararmos. Eu continuei na posição em que eu me encontrava, e esperei que Sam falasse alguma coisa. Eu senti seus dedos frios me virarem delicadamente, fazendo-nos ficar frente a frente.
- Falta menos de dois quilômetros para chegarmos ao nosso destino, e antes de tudo queria conversar algumas coisas com você Anne.
Eu indiquei com a cabeça para que ele continuasse.
- Bom, esse lugar pra onde vamos, é bem maior do que o que nós estávamos. A segurança de lá é mil vezes mais reforçada Anne, mas só te peço um favor, não tente sair dos limites da propriedade, nem sozinha... – ele fez uma pausa. - Nem com o Matt. Entendido?
Fiquei relutante em concordar com a promessa, mas acabei concordando com a mesma. Sam ficou calado novamente, sua respiração levemente acelerada. Esperei que ele continuasse.
- Queria te pedir paciência. – ergui a sobrancelha. – Paciência por que noto que você não gosta de ser o centro das atenções. – ele olhou pra mim e eu concordei rapidamente com a cabeça. – Pra onde estamos indo, infelizmente é isso que vai acontecer.
Eu fiz uma careta, mas aquilo não me surpreendeu. Em algumas das vezes em que parei para pensar e repensar tudo o que havia se passado nesse curto espaço de tempo, minha cabeça se focou nessa possibilidade. Percebi que seria o centro das atenções enquanto estivesse ao lado daqueles que agora era a minha família. Eu era diferente de qualquer um que estivesse ali, e ser diferente torna a pessoa algo a se olhar e tentar decifrar.
- Eu sabia que chamaria atenção sendo a humana entre vampiros. – forcei um sorriso, mas falar a verdade em voz alta era mais complicado do que pensar. Sam sorriu também, tendo mais facilidade do que eu.
- Você não é a única humana lá Anne. Existem alguns, poucos mas existem, filhos de vampiros que assim como você estão decidindo o que escolher.
As palavras foram um certo choque para mim. Limpei a expressão de meu rosto e tentei ser firme o máximo que conseguia.
- Eu já fiz a minha escolha.
Sam sorriu novamente, dessa vez demonstrando grande satisfação com o que eu acabara de dizer.
- Mas então, se há humanos lá, o que me faz ser o centro das atenções... É o fato de eu não ser somente humana... - Sam me interrompeu, me olhando novamente com um olhar indignado como fizera algumas vezes há algum tempo.
- Anne, você se lembra do que eu te contei na primeira vez? De toda a historia? Você é minha irmã Anne, seus pais eram Luna e Pietro. Isso significa muito mais do que ser humana ou vampira no mundo em que você está prestes a entrar. – ele não parecia aborrecido, porém seu tom de voz estava severo.
Havia me esquecido dessa coisa toda. Eu não gostava nem um pouco disso. Sam afagou meu rosto e beijou minha testa.
- Todos ali se importam com você Anne, e muitos me ajudaram a te encontrar.
Fiquei pensando nisso, enquanto Sam voltava para o volante e pisava no acelerador, entrando então na estreita estrada.
Menos de 20 minutos depois, eu pude ver o nosso destino e estava longe do que eu imaginei ser.
A construção era grande em todos os aspectos. Tanto na largura quanto em altura. O tom pastel predominava nas paredes. Podia-se notar que o lugar era antigo pela quantidade de detalhes que decoravam a fachada. Em contraste com isso, o local era cercado por uma grade preta de mais de dois metros de altura. Na nossa frente via-se um grande portão, que parecia ser a única entrada. Assim que chegamos a sua frente, ele se abriu. Olhando detalhadamente para cada canto se via uma escondida. Carros e mais carros, estavam dispostos no jardim, como se fossem flores.
No instante em que desci do carro, dezenas de pares de olhos verdes se direcionavam para mim. Senti meu rosto formigar na mesma hora. Um certo grupo que estava mais perto do nosso carro começou a se aproximar. Sam veio para o meu lado e eu o abracei escondendo parte do meu rosto em seu peito. Ele sussurrou que estava tudo bem, mas continuei parada onde estava.
- É o que eu estou pensando? – uma voz fina falou. Eu afastei um pouco meu rosto para saber de onde viera, e provavelmente havia sido de uma mulher pequenina que estava na nossa frente. Ela era um pouco mais baixa que eu, seus olhos eram vivos e brilhantes. Seu cabelo ruivo enrolava em cachos que estavam presos no alto da sua cabeça.
- Eu disse que tinha uma surpresa agradável. – disse Sam. Ele sorria radiante, e eu não pude deixar de sorrir. Eu me sentia bem o vendo daquela maneira.
Eu me virei, diretamente para todos aqueles que me olhavam, alguns confusos, outros com um sorriso no rosto. Eu sorri também tentando passar confiança. E antes aqueles que estavam confusos sorriram também. Aquilo me fez sentir cada vez melhor. Sam puxou meu rosto para perto dele e disse baixo:
- Precisamos ver algumas coisas. Vamos.
Ele acenou para algumas pessoas no caminho até a porta da casa. A mesma era feita de uma madeira brilhante com vários detalhes em cada canto. Sam empurrou a porta com uma certa facilidade, mesmo ela parecendo pesada demais.
Meus pés pararam assim que pude olhar o interior da casa. Se eu considerava a outra casa grande, ao havia explicações para esta. O lugar era enorme e altamente decorado. Um lustre pendia no meio do local, iluminando-o através de pequenos cristais. Uma escada se dividia em dois, com corrimões brilhando. O local ainda contava com inúmeros moveis, incluindo poltronas de diversos tipos e tamanho.
Mesmo estando menos movimentado do que o lado de fora da casa, o hall estava cheio também. Os olhares vieram para mim novamente, mas Sam dessa vez foi mais rápido me puxando delicadamente para a escada. O andar de cima estava vazio. Acompanhei Sam parando para olhar alguns detalhes no corredor de vez em quando. Era impressionante a variedade dos quadros e as coisas neles retratadas.
Passamos por um corredor que não havia paredes, apenas janelas que davam para visualizar tanto o interior, quanto o exterior da casa. Pude ver através dele, o imenso terreno que ficava atrás da propriedade, além da variedade de flores que havia nele.
Paramos numa sala vazia, que possuía quatro portas idênticas. Sam abriu a primeira delas e acenou pra que eu o seguisse. O sorriso tímido tomando seu rosto.
O lugar era um quarto, com todos os detalhes em azul. Paredes, almofadas, poltronas, cortinas. Tudo. A cama era enorme, com uma cabeceira toda detalhada com flores. Havia uma lareira e em volta dela duas poltronas com almofadas do mesmo tom de azul claro. O quarto ainda era mobilhado por diversos moveis. As cortinas estavam abertas, e a visão que eu tinha era do jardim.
Eu estava deslumbrada com tamanha riqueza de detalhes, e o tamanho cuidado. Sam parara um pouco mais a frente e me olhava com ternura.
- Gostou? - Perguntou ele.
- Eu estou sem palavras. É tudo tão... – as palavras fugiram da minha boca assim que me deparei com o quadro que estava acima da lareira. Um rosto delicado estava retratado em uma pintura. A mulher retratada aparentava ter uns 20 anos. Seu rosto tinha feições delicadas e marcadas. Seu olho era um tom de verde que eu já conhecia. Minha visão embaçou assim que as primeiras lágrimas começaram a surgir. Eu podia notar a semelhança agora mais do que nunca. Eu sabia quem era ela.
Sam me abraçou pelas costas e ficou olhando para o quadro junto a mim. Eu enxugava as lágrimas em vão. Como eu podia sentir falta de alguém que eu nunca vi? Não que eu pudesse me lembrar, mas era aquilo que eu sentia naquele momento. Eu sentia falta dela, queria ter o poder de voltar ao passado e tentar avisá-la de tudo o que aconteceu. As coisas podiam ser diferentes. Meus pais estariam comigo agora e minha família estaria reunida.
Mas infelizmente as coisas não aconteceram dessa maneira. Minha mãe estava morta, e morreu para me salvar. Essa verdade doía mais do que eu podia imaginar. Era uma dor terrível, que me deixava sem ar. Apertei novamente o meu colar, tentando extrair alguma lembrança, alguma coisa daquele objeto inanimado, mas nada. Só podia sentir a pedra gelada em meus dedos.
- Ela estaria realmente orgulhosa do que você se tornou Anne. – disse Sam. Sua voz estava chorosa. Eu levei minha mão até junto a dele, mas antes que eu pudesse dizer algo para ele, uma dor me arrastou para fora de mim como das outras vezes.
Meus joelhos cederam e eu caí. Com um grande esforço consegui sentar. Mas nada, nada podia me desviar do que estava acontecendo. Meus sentidos foram se perdendo aos poucos e a dor aumentando a cada respiração. Eu me esforçava para não cair nesse abismo. Eu sabia o que ia acontecer logo em seguida, minha ligação com aquele maldito ia começar. Eu não queria, não agüentaria aquela tortura.
Tentei voltar a tona, porém me parecia impossível. Algo começava a crescer em mim, algo estranho, a mesma sensação que eu tinha de estar em outro corpo. Só a curiosidade de saber o que estava por vir, me fez cair ainda mais no abismo. O ódio agora parecia fazer parte mim. Eu senti algo me chacoalhar e aquilo bastou para me ajudar. A ligação parecia mais fraca nesse instante e eu podia ouvir Sam gritar o meu nome. Alguém mais estava com ele agora.
- Tente Eve. Tente. – Sam suplicava para alguém.
Minha visão escura, mas podia ver que algo se aproximava. Eu não tinha forças mais para perguntar quem era. Eu simplesmente deixei que se aproximasse, senti uma mão me ajudando a subir e uma voz delicada me dizendo que estava tudo bem.
A claridade me atingiu e as coisas começaram a tomar forma. Alguém me colocara em cima da cama e prendido meu cabelo no alto. Minha respiração estava ofegante e eu me sentia exausta. Senti alguém segurar meu rosto com mãos frias, demorei certo tempo para notar quem era.
- Anne? Anne? Diz alguma palavra. Por favor. – Sam estava aflito na minha frente.
- Eu to bem. – as palavras saíram emboladas da minha boca, que agora eu notava que estava seca.
Olhei em volta procurando identificar quem me ajudara a sair daquele pesadelo. Na porta dois vampiros grandalhões me olhavam assustados. Ambos não pareciam ser quem havia me ajudado. Fiz um esforço enorme e me virei para o outro lado do quarto. Encostada a parede, estava a vampira ruiva que estava lá embaixo. Ela parecia exausta assim como eu. Ela olhava para o teto tentando retomar as forças. Sam olhava igualmente preocupado para ela.
Deixei minha cabeça cair no travesseiro e fechei meus olhos descansando, torcendo para que nada igual acontecesse novamente.
Não parecia ter se passado nem alguns minutos quando eu acordei. Meu corpo estava dolorido, mas minhas forças estavam retomadas. O quarto agora estava escuro e a única iluminação vinha da lareira. Sam estava sentado numa das poltronas e a vampira ruiva em outra. Ambos em silencio olhando para o fogo que ardia na sua frente.
- Que horas são? – perguntei.
Os dois olharam para mim assustados, provavelmente não notaram que eu havia acordado.
- Já é bem tarde Anne.
- Eu dormi tanto tempo assim?
Sam confirmou com a cabeça. Ele sentou na beira da cama e colocou a mão na minha testa.
- A febre parece ter cedido. – disse ele olhando em direção a lareira.
- Febre? – perguntei assustada.
Seu rosto endureceu. A vampira ruiva começou a andar em nossa direção parando a alguns passou da cama.
- Pode chegar mais perto Eve. – disse Sam.
Ela sorriu timidamente e deu a volta sentando do outro lado da cama. Eles voltaram a ficar em silencio, me deixando mais agoniada.
- Foi você que me ajudou não é? – perguntei me dirigindo a ela.
Ela confirmou com a cabeça e olhou para Sam que olhava para fora parecendo distante.
- Muito obrigado. Eu não teria conseguido sem você. – eu sorri mesmo sentindo uma ardência no rosto.
- Eve. – ela estendeu a mão pequenina na minha frente. Eu a segurei delicadamente não me surpreendendo com a frieza.
- Anne. – disse. Ela riu baixinho.
Sam se mexeu inquietamente.
- Eu... Droga! – ele levantou bruscamente. Eve soltou minha mão e se levantou também. Ela cruzou os braços e olhou para Sam com uma expressão estranha. – Não adianta Eve. – berrou Sam. Eu me sentei bruscamente o que fez minha cabeça latejar.
- Então se comporte. Sente, e converse. Como eu disse para fazer. – disse ela furiosa.
- Você não manda em mim. Já disse que não vou fazer isso com ela.
- Então eu faço. – ela se virou pra mim, mas antes que pudesse dizer alguma coisa Sam estava ao seu lado, segurando sua mão. – Me solta. – vociferou ela.
- Saia, Eve!
- Você está me machucando Sam.
- Pare vocês dois. – gritei levantando da cama. Minha cabeça girou, mas consegui me manter em pé. – Me diga Eve, o que ele quer de mim. Achei que a essa altura Sam não me escondesse segredos. – ele abaixou a cabeça e soltou-a, sentando na beirada da cama.
- Sam, - começou ela – queria saber o que você viu, ou sentiu. Talvez viesse a ter algo útil para nos ajudar.
Eu olhei para Sam, incrédula. Era isso?
- Achei que você não gostaria de pensar no que aconteceu. Se preferir me mostrar eu...
Sentei ao seu lado e encostei minha cabeça em seu ombro. Ele passou seu braço por trás de mim, me trazendo para mais perto dele. Eve ficou parada em nossa frente, braços cruzados e uma expressão séria.
- Eu preferia falar Sam. É melhor do que ver tudo aquilo de novo. – senti seus braços se apertando mais em minha volta. – As coisas aconteceram rápido demais. Não consegui ver nada. Somente sentia um ódio sem tamanho. Até que Eve me tirou de lá. Não houve mais nada a não ser isso.
Os dois ficaram em silencio, olhando um para o outro. A primeira a falar foi Eve.
- Algo pra ele deu errado. Creio que esteja ligado aos que ficaram.
- Matt me ligou dizendo que estava a caminho e assim que chegasse aqui, me diria o que aconteceu.
- Matt? – perguntei desesperada.
- Ele está bem Anne, como eu estava dizendo, algo aconteceu e só quando estivesse próximo aqui ele me ligaria para falar.
- Pode sim, ter ligação com o que a Anne sentiu. – Eve parecia distante agora. – Começo a sentir ele, deve chegar aqui amanha a tarde.
- Sentir? – perguntei dessa vez para Eve, mas foi Sam que respondeu.
- Eve é como... Eu. Só que mais irritante. – ele sorriu para ela meio sem graça, ela ignorou-o.
- Como você? – perguntei novamente, dessa vez ela que falou.
- Sou especial Anne. Posso visitar a mente das pessoas. Senti-las de uma forma diferente e me comunicar com elas através de suas consciências.
- Foi assim que você conseguiu me ajudar.
- Sim. – ela sentou do outro lado de Sam, encostando a sua cabeça na cabeceira. – Mas eu tenho um preço com isso. Tentar qualquer coisa desse tipo me deixa exausta, e minha cabeça se confunde com a sua. Meus pensamentos não são os únicos aqui – ela apontou pra sua cabeça – agora.
Senti certa simpatia a mais por Eve. Eu sabia como era ruim sentir o que os outros sentiam. O silencio tomou novamente o quarto. Do lado de fora se podia ouvir vozes vinda lá de baixo.
- Você é um idiota. – Eve levantou sorrindo olhando para Sam.
Eu senti uma ligação entre os dois. Algo que eu não pude explicar, mas eu sabia que havia. Os dois eram iguais em certos ângulos. Ambos tinham que conviver ouvindo os outros e não havia segredos entre eles. Provavelmente Sam dissera algo apara Eve através de sua cabeça. Era algo que nunca poderia saber.
- Vai descer? – perguntou Sam.
- Sim. Eu... – ela olhou para mim duvidosamente – preciso me alimentar.
- Pode ficar com ela enquanto pego algo para ela comer?
Eve sorriu e voltou para o meu lado.
Sam me soltou delicadamente e antes que eu pudesse me dar conta, já havia saído. A porta já ia bater quando ele apareceu novamente.
- Eve? – disse ele com aquele sorriso de menino.
- Sim.
- Tente não falar nem fazer nada idiota. Lembre-se que é tudo novo para ela.
Ela levantou uma sobrancelha e riu docemente.
- Sam?
- Sim. – disse ele debochando.
- Trás uma garrafa pra mim.
Ele revirou os olhos.
- Coisas idiotas tipo isso Eve. – e saiu.
Ela me olhou travessamente.
- Garrafa? – perguntei.
- É um tipo de alimento industrializado. Como se fosse a comida de microondas de vocês.
- Comida de microondas?
- É um sangue engarrafado. É meio sintético. Tem gosto de nada, mas ajuda. – ela parecia relaxada dizendo isso. – Ah, e não surta Anne. Sam me mataria.
Eu dei um meio sorriso para ela e levantei devagar, meus músculos ainda doíam. Eve olhava cada passo que eu dava minha cabeça agora pensando num ponto.
- Você viu cada pensamento que eu tive? – perguntei ainda andando devagar.
- Sim. Sua cabeça é muito engraçada. Você é uma menina forte, mas tem bom coração. Senti a sua preocupação com aqueles que te cercam. Sam principalmente, e...
- Matt. Você o conhece?
- Claro. Ele é um bom menino também. Possui algumas características incomuns, e tem opiniões muito diferentes de todos nós.
- Você disse que podia senti-lo. Pode ver se ele está bem? – voltei agora para a cama e sentei perto dela. Ela demorou a responder.
- Desculpe Anne. Estou fraca demais, e ele ainda está longe. Mas ele está bem. Só não consigo ver como se sente. Peguei rapidamente um pensamento vindo dele. E adivinha o que ele estava pensando?
Balancei a cabeça. Realmente não fazia idéia do que poderia ser.
- Está pensando em você Anne. – ela sorriu e eu, retribui. – Pude sentir devoção no modo como ele pensava em você.
- Espero que ele chegue logo.
- Não vai demorar. Só não tente se focar no tempo, que ele custa a passar se for feito assim.
Sam voltou e eu comi silenciosamente. Eve desceu logo em seguida sorrindo pra mim ao sair. Eu gostei da presença dela.
- Eve é encantadora e irritante ao mesmo tempo. – disse Sam, olhando para o lado de fora da janela.
Eu estava muito exausta pra reclamar sobre Sam estar na minha mente. Deixei minha cabeça tombar na cama e meus olhos foram ficando pesados.
Um barulho constante me acordou. O sol já preenchia o quarto, que estava vazio. Na beira da cama estava um bilhete, escrito a mão.
‘’ Tive que resolver algumas coisas. Volto antes do almoço. Divirta-se. Sam’’
Divirta-se? Ele só podia estar brincando. Eu não ia descer sozinha. Olhei para o quarto vazio pensando no que eu poderia fazer. Eu ainda estava usando aquelas roupas grotescas, e estava toda suada.
- Necessito de um banho.
Havia duas portas do outro lado do quarto. Provavelmente uma delas era o banheiro. E acertei. Só me restava uma roupa, que encontrei do outro lado da outra porta. Difícil foi encontrar algo simples. O clima não parecia estar frio, então me contentei com um jeans e uma camisa de manga.
Tirar aquelas roupas e tomar um banho fez me sentir melhor. A fome começou a me dominar, mas não tinha coragem de descer as escadas. Nem sabia onde ficava a cozinha.
Sentei na beira da janela, encostando meu rosto no vidro, tentando visualizar algo lá de fora. Como ontem, estava cheio. Os grupos estavam separados por todo o terreno. Eu conseguia visualizar boa parte da entrada do local. Seus rostos estavam felizes e muitos riam. A maioria usava pouca roupa, menos um pequeno grupo que parecia mais afastado dos demais presentes.
Minha curiosidade por eles aumentou ao perceber que seus olhos não eram como os demais e seus rostos eram diferentes. O pequeno grupo era formado apenas por garotos. Três na verdade. Dois deles eram morenos e um loiro. Aparentavam ter a minha idade. Eles permaneceram calados um bom tempo. Me perguntei se eles eram humanos assim como eu, e era eles a quem Sam se referira ontem para mim.
Um deles notou que eu os olhava e alertou os outros. Eles me encararam imediatamente. Não consegui imaginar o que eles estavam pensando. Senti meu rosto ruborizar e desviei meu olhar deles focalizando num carro que chegara nesse instante.
O primeiro a sair foi Pablo. Sorri no mesmo instante, mas senti que algo estava errado. Pablo sempre sorria, mas seu rosto agora estava serio, podia dizer que até mesmo preocupado. Senti um aperto no coração e minha mente logo parou em...
-Matt. – foi a única coisa que consegui dizer ao ver a segunda pessoa que desceu do carro. Era ele. Seu rosto estava como o de Pablo. Não pensei duas vezes e corri em direção a entrada.
Algumas pessoas que estavam no corredor olhavam para mim, mas eu as ignorei. Eu tentava lembrar onde Sam passara até chegar aqui, e logo vi o começo da escada. Acelerei o passo e acabei esbarrando em um homem, parado no começo do corredor. Comecei a descer as escadas assim que Matt entrava no hall. Ele veio na minha direção sorrindo. Não pensei duas vezes e me joguei em seus braços.
- Nunca mais faça isso, entendeu? – minha voz saiu chorosa.
Matt não me respondeu. Ele começou a me puxar em direção as escadas novamente me forçando a subir um degrau.
- O que houve Matt? – ele continuou calado, me olhando de uma forma estranha. – Matt? – minha voz começava a ficar histérica.
- Vamos subir. – sua voz estava estranha e eu me recusei a sair dali. Ele começou a me puxar, mas mesmo sabendo que ele era mais forte, não me mexi.
- O que tá acontecendo? – Matt me soltou e revirou os olhos. Um pequeno grupo se formou no hall, todos olhando para mim. Eu não estava a fim de perguntar novamente. Não demorou muito tempo, comecei a ouvir vozes exaltadas do outro lado da porta.
- Me solta. – o grito me fez arrepiar. Eu conhecia aquela voz de algum lugar. Senti as mãos de Matt no meu ombro. – Me solta.
A porta se abriu num só movimento, revelando algo que eu não esperava. Aquele era o ultimo rosto que eu esperava ver aqui.
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mil desculpas gente :X
sei que estou devendo um capitulo digno a muito tempo. espero que gostem. vou me esforçar pra escrever o mais rapido possivel.
beijos, e obrigada a todos que leem, mais uma vez.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Capitulo Dezenove - Estrela

Se a menos de uma hora eu não tivesse passado naquela sala, poderia dizer que ela já estava daquela forma a um bom tempo. As caixas haviam sumido, tudo havia sumido. Sam estava sentado na escada parecendo impaciente. Pablo ao seu lado estava com um sorriso debochado no rosto.
- Onde estavam? – Sam tentou parecer indiferente a situação, mas eu podia ver que ele não estava nada satisfeito vendo eu e Matt de mãos dadas.
- No jardim.
Notei seu olhar indo diretamente a minha roupa ainda suja de terra, porém ele desviou assim que percebi.
- Bem, partiremos assim que você estiver pronta. Louise vai te ajudar. Ela está te esperando no seu quarto.
Eu acenei e andei em direção aos degraus com as mãos ainda juntas com a de Matt. Ele hesitou e as soltou delicadamente, eu podia ver seus olhos em Sam.
- Suba. Nos vemos depois. – ele me deu um beijo na testa e sorriu para mim.
Subi as escadas com uma ponta de relutância, não gostava de Sam e Matt juntos. Principalmente quando Sam dissera varias vezes que iria matá-lo. Tentei me prender no pensamento otimista de que Sam não machucaria Matt, porque ele sabia que isso me machucaria. Louise me esperava sentada na cadeira que há algumas horas, eu estava imersa em pensamentos. Assim como toda a casa (ou pelo menos até onde eu havia visto), meu quarto parecia diferente de como o deixei. Não cheio de caixas e vazios, mas ele parecia estranhamente arrumado demais e o forte cheiro de álcool não me deixava enganar. Louise pareceu perceber que eu havia notado a diferença.
- Sam pediu para deixar tudo o mais limpo e ‘esterilizado’ o possível. Sabe, assim que abandonarmos isso aqui, a primeira coisa que os carnívoros vão fazer e procurar algo que teríamos deixado para trás.
Carnívoros? Ah sim, carnívoros. Provavelmente eram os outros. Achei um pouco de ironia eles serem chamados assim. Louise agora mexia dedicadamente numa maleta prata, tirando algumas coisas de dentro e colocando outras.
- Andou rolando na grama? – perguntou ela com um leve sorriso no rosto. Eu senti as minhas bochechas formigarem. – Vá tomar um banho. Ainda não limpei o banheiro mesmo. E vista estas roupas. – disse ela, indicando uma pequena muda de roupas duvidosa.
Não em surpreendi ao ver roupas que realmente eu nunca usaria. Jaqueta de couro? Realmente nunca usaria. Tentei ser o mais delicada o possível.
- Não querendo ser chata, mas não tem uma roupa mais discreta? Essas roupas não fazem o meu tipo.
- Essas roupas não fazem o seu tipo. Mas fazem o de... – ela pegou um pequeno documento – Cassie Montgomery.
- Como é que é? – eu puxei o tal documento e reconheci como um passaporte. Nele havia uma foto (obviamente forjada) de mim loira. Loira? Que merda é essa?
- Você achava que? Iria passar de Anne no aeroporto e ninguém da policia ia te identificar.
Eu demorei um tempo pra engolir o que ela havia falado. Agora eu era a foragida, ou melhor, a seqüestrada e teria que me passar por outra pessoa pra enfim, conseguir me livrar do meu passado. Ou de boa parte dele.
- Vamos Anne. Tome logo um banho e evite molhar a cabeça.
Fiz o que ela pediu evitando ao máximo pensar no que ela havia me dito. Aquilo me fazia sentir estranhamente mal e nervosa. Decidi pensar em coisas melhores como Matt. Meu namorado vampiro totalmente perfeito. Quando retornei ao quarto, me sentindo totalmente desconfortável naquelas calças irritantemente apertadas e naquelas botas irritantemente altas, Louise me esperava do lado da cama, segurando uma coisa parecida com um gato peludo.
- Sente-se, e fique parada. Não vou demorar nem cinco minutos.
Obedeci novamente e assim que eu sentei, ela começou a puxar e repuxar meu cabelo delicadamente. Era uma sensação boa e me fez relaxar um pouco. O que foi extremamente útil numa hora dessas. Realmente não havia se passado cinco minutos quando senti suas mãos pararem.
- E, pronto.
Retornei ao banheiro, indo até o espelho e entendi o que a pouco me pareceu um gato peludo. Era uma peruca loira. Meus olhos demoraram um tempo pra identificar aquela estranha refletida. O meu ‘novo cabelo’ era aquele loiro Barbie escorrido até embaixo do meu ombro, pra piorar ainda tinha uma franja completamente absurda. Com esse cabelo, essas roupas apertadas e esse decote desagradável, eu estava parecendo uma daquelas vadias que já havia pegado meio time de basquete.
- É realmente necessário? – disse a Louise que estava na porta me olhando com um ar de orgulho.
- Extremamente necessário. Só preciso passar um pouco de maquiagem e...
- Não, não. Chega. Pronto. Nem eu mesma me reconheci. É só colocar um óculos escuros, ninguém me reconhecerá.
Ela pareceu meio descontente, mas acabou cedendo.
- Tudo bem. Desça. Vou fazer a limpeza no banheiro.
Não pensei duas vezes em sair com medo dela voltar atrás. Só parei na porta de meu quarto, com uma sensação estranha se apoderando de mim. Eu gostava daquele lugar, tinha se tornado meu lar em pouco tempo. O fato de deixá-lo para trás fez com que eu sentisse que deixava para trás um pedaço de mim. Eu sabia, no entanto, que não era somente esse novo lar que eu estava deixando para trás. Eram 15 anos de vida. 15 anos de uma mentira que vivi diariamente. Mas isso era passado, como eu havia decidido, é hora de virar a pagina.

A risada estrondosa de Pablo ecoou pela sala vazia.
- Oi Britney! – disse ele, debochadamente.
Já estava bastante difícil ter que me vestir daquela forma, e ter alguém rindo não ajudava muito a situação. Olhei nada amigável para ele, que pareceu entender o recado disfarçando seu riso como se estivesse tossindo. Sam e Matt não estavam na sala.
- Cadê Sam?
- Está com Matt... – ele parecia procurar as palavras certas para usar – Se disfarçando.
Por falta de palavras, preferi permanecer em silencio. Pablo agora estava com um sorriso bobo no rosto. Igual aquelas criancinhas quando ganham um pirulito gigante. Ele andou até a janela do lado norte e ficou ali olhando para ela. Me encostei numa das pilastras e tentei relaxar, sem sucesso. Eu podia ouvir Pablo cantarolando.
- Ops, I did again.
Antes que eu pudesse falar algo malcriado para ele, a voz aveludada e calorosa de Louise me interrompeu.
- Pare de perturbar a menina Pablo.
- Ah, pode falar. Em quem você se inspirou pra fazer isso com a menina beleza? Barbie, Britney, ou uma mistura dos dois?
Louise cruzou os braços parecendo estar ofendida.
- Sam mandou eu deixar ela irreconhecível.
- Irreconhecível não é o mesmo que bizarro.
- Obrigada pela parte que me toca. – disse, sarcasticamente.
Os dois riram musicalmente. Louise foi para o lado dele e ele passou sua mão pela cintura dela.
- Vocês vão para lá também, não é? – tentei puxar assunto.
- Vamos amanha de manhã. No primeiro vôo que arranjarmos. – respondeu Pablo.
Eu sorri timidamente. A cada segundo que se passava eu ficava mais ansiosa. Eu queria saber o que me esperava na França. Por que tínhamos que ir para lá?
- Calma Anne. Tudo tem seu tempo. – a voz de Sam tão próxima me assustou. Eu não tinha reparado a sua presença. Me virei automaticamente, esperando que ele conseguisse me acalmar com seu olhar. Se não tivesse ouvido a sua voz, poderia ter certeza que era outra pessoa que estava ao meu lado. Mas eu sabia que por baixo daquela peruca loira (igualmente estranha como a minha) era meu irmão que estava ali. Tentei disfarçar meu riso, fingindo tossir.
- Adorei Barbie e Ken.
Nós dois olhamos automaticamente para Pablo e ele pareceu entender o nosso recado de: Chega! Sam se virou para mim, com aquele olhar indecifrável novamente. Ele afagou de leve meu rosto e segurou uma mecha do meu cabelo.
- Está pronta? – sua voz não passou de um sussurro.
Minha voz parecia ter falhado e só me restou balançar a cabeça. Mas dentro de mim eu sabia que estava pronta pro que estava a vir. Estava pronta para virar essa pagina da minha vida.
Com os dedos entrelaçados, Sam e eu fomos andando para o lado de fora da casa. Eu podia sentir seu olhar me vigiando.
- Eu vou sentir falta daqui. – eu não sabia ao certo se estava falando aquilo para ele, ou para mim.
Ele me olhou meio confuso.
- Você está aqui a menos de uma semana Anne.
- Eu sei, mas... – tentei achar as palavras certas para usar. – É difícil de explicar. Eu me senti completa de alguma forma.
- Vou ser sincero com você. – ele parou de andar. – Não achei que você aceitaria tudo tão bem. Achei que você surtaria e tentasse fugir, que não iria acreditar em nada que eu tivesse dito, ou pior... Tivesse medo de nós.
- Eu to me saindo melhor do que achei que poderia Sam. – eu apertei de leve a sua mão. – É tudo muito novo pra mim. Cada coisa. Eu tenho tantas perguntas a te responder, tenho tantas coisas a me adaptar. Mas eu me sinto bem. Como te disse, me sinto completa. Mesmo que tenha passado por coisas ruins nesse lugar. – ele fez uma careta. – Passei por coisas boas também. Descobri que tenho o melhor irmão que alguém poderia ter. Por que ele nunca desistiu de me procurar, e pelo que reparei nunca deixou de me amar. Descobri também que tenho os melhores pais do mundo... Eles... Eles morreram por mim.
Fiquei surpresa por minha voz ter saído tão firme e só ter falhado no final. Sam parecia surpreso com as coisas que eu havia dito e me olhava intensamente. Sua boca se curvando lentamente num sorriso.
- Eles estariam orgulhosos de você Anne.
Me faltou palavras para responder e só me restou sorrir. Sam beijou delicadamente a minha mão que estava entrelaçada com a dele e começou a andar novamente. Fazendo um grande contraste com o restante dos carros luxuosos ainda presentes no gramado da grande casa, estava um carro extremamente velho e decadente.
- Pra disfarçar sabe! Não ia ser muito discreto andar com uma Ferrari pra todo o canto. – disse Sam respondendo a minha pergunta mental.
- Matt não vai com a gente? – senti uma sensação de culpa quando notei que Matt não estava lá, e não havia reparado nisso anteriormente.
- Ele vai com Michael, para disfarçar. Chegando em NY nós encontramos.
- NY?
- Vôos direto para França só tem no aeroporto de lá.
Eu olhei um pouco relutante para a porta do carro aberta.
- Vamos Anne.
Entrei no carro ainda meio confusa. Assim que fechei a porta, Sam acelerou a lata velha. O carro cheirava a pizza e cachorro molhado. Sam notou que torci o nariz.
- Pode abrir as janelas. Foi o melhor carro inútil que conseguimos arranjar.
A janela abriu pela metade, mas já era alguma coisa. Antes do carro virar numa pequena curva, consegui ter o ultimo vislumbre da grande casa.

Nós seguimos por uma estrada improvisada diferente da que fomos para praia. O terreno era extremamente irregular e o movimento do carro estava me deixando enjoada. Fiquei de olhos fechados boa parte do caminho tentando me concentrar em não vomitar. Sam perguntou diversas vezes se eu queria que ele estacionasse, mas eu sinalizava que era para ele continuar dirigindo.
Depois do que para mim pareceu ser uma eternidade, o carro pareceu chegar numa pista regular e os solavancos pararam. Respirei fundo algumas vezes e consegui abrir os olhos. Estávamos numa das pequenas estradinhas que ligavam Foester a outras demais cidades. Reparei que ao invés de sair da cidade, Sam estava indo em direção a ela.
- Estamos voltando para Foester? – minha voz estava meio falha.
- Não tem outro caminho para o aeroporto mais próximo a não ser esse, Anne.
Eu permaneci em silencio tentando me preparar emocionalmente para o que estava por vir. Eu sabia que teríamos que passar em frente a minha antiga escola secundaria para chegar ao outro lado da cidade e sabia que teríamos que passar pela a minha antiga rua.
Os primeiros sinais de civilização foram a aparecendo quando Sam finalmente falou.
- Você está preparada pra isto? Eu sei que pode piorar a sua situação. Se quiser ficar de olhos fechados novamente...
- Não. – disse interrompendo-o. – Talvez isso seja melhor para mim.
Ele não disse mais nada. Eu engolia as lagrimas enquanto os prédios e casas familiares passavam pela janela. Paramos num sinal, perto da esquina da rua onde ficava a escola.
- Você está realmente bem? – eu podia sentir a preocupação de Sam através de seu tom de voz.
Eu simplesmente balancei a cabeça. Tentei focalizar meu olhar em um poste em que paramos do lado, mas isso não foi uma boa idéia. Impresso em um papel bege estava uma foto minha. Uma foto que tirei no último natal em que eu e minha antiga família passamos em Washington. Embaixo da foto havia algumas coisas escritas, mas eu não tive coragem de lê-las. Abracei meus joelhos com toda força que consegui, ignorando a calça que agora parecia mais apertada do que antes.
- Não foi boa idéia termos vindo por aqui. – Sam disse, pisando fundo no acelerador ignorando o sinal ainda vermelho. Aconteceu tão rápido que não sei ao certo dizer de onde eles vieram, se o reflexo de Sam não fosse tão bom, creio que algo terrível tivesse acontecido.
Alex e Marina estavam parados na frente do carro ainda confusos com o que acabara de acontecer. Eles estavam de mãos dadas, e não deixei de notar a mão ainda engessada de Marina. Eu ofeguei, tentando me lembrar de como se respirava. Por que estava acontecendo aquilo tudo? Minha confiança que a pouco estava a toda, agora havia afundado num mar de incertezas. Meu passado recente estava tentando me avisar alguma coisa?
- Me tira daqui. – consegui falar por fim.
Sam buzinou para os dois que ainda estavam em frente ao carro. Agora um pequeno grupo de estudantes que já haviam atravessado olhavam com curiosidade para o nosso carro. Enfim os dois liberaram a nossa passagem e Sam pisou fundo no acelerador, virando com uma velocidade excessiva a esquina que dava pra Escola Secundaria de Foester.
Fechei meus olhos procurando apagar o que eu havia acabado de ver, mas a imagem de Marina e Alex parecia ter grudado na minha memória. Eles pareciam estar juntos, como um casal de namorado e aquilo me fez mal de uma forma estranha. Agora, só conseguia pensar em como eu estava sendo louca ao ponto de me atirar para esse mundo desconhecido.
- Pare a droga desse carro.
Sam me olhava preocupado. Por um instante eu achei que ele iria discordar, mas ele agora olhava para a pista com uma expressão estranha, suas mãos presas ao volante com uma força exagerada.
- Espere chegar à estrada.
E depois um silêncio constrangedor tomou conta do carro. Minha mente começava a clarear depois do ataque de fúria. Sam continuava olhando para frente e eu reparava que ele evitava me olhar. Fechei meus olhos mais uma vez, quando estava perto da minha antiga rua, olhar para a casa onde eu morei, provavelmente não me ajudaria muito naquele momento. Minha mente agora processava a imagem daquele cartaz de ‘Procura-se’. O nó em minha garganta agora ardia e dificultava a minha respiração. Senti o carro diminuir de velocidade até parar. Abri meus olhos lentamente. Sam ainda não olhava para mim.
- Desculpe. Eu me descontrolei. – minha voz saiu estranha graças a grande dificuldade que eu tive para falar.
- Foi erro meu ter te trazido pela cidade. – disse ele ainda parecendo distante.
- Não. Claro que não. Você não tinha como prever que essas coisas iam acontecer. Não se culpe Sam. – eu afaguei de leve o seu rosto e ele finalmente olhou para mim. Ele respirou fundo e segurou minha mão delicadamente.
- Vamos? – a voz dele parecia mais otimista.
Eu acenei de leve e ele voltou para a estrada. Ele continuou segurando minha mão, mantendo só uma no volante. Eu estava cansada e fui adormecendo aos poucos. E ainda bem, consegui descansar sem sonhos.

- Ei Anne. – senti alguém me sacudindo de leve.
Demorei um tempo pra me lembrar onde estávamos. Sam estava curvado de maneira que ficava olho a olho comigo. Eu sorri para e ele e ele retribuiu.
- Nosso vôo sai em alguns minutos, quer comer alguma coisa antes de irmos? – ele segurava dois papeis na mão.
- Um refri seria útil. – disse saindo do carro.
- Então vamos.
Ele me pagou uma coca e tivemos que correr um pouco para pegar o vôo. Consegui com um pouco de esforço me manter acordada durante o trajeto até NY. Não tivemos problemas com os falsos passaportes. Pegamos o primeiro vôo para França e tivemos que correr novamente para não perdê-lo. Dessa vez não consegui arranjar forças para combater o meu cansaço e novamente fui adormecendo. E mais uma vez, por sorte minha, consegui descansar sem sonhos.
- Anne? O piloto já avisou, vamos aterrissar em alguns minutos! – Sam me acordara delicadamente.
Eu levantei ainda desnorteada. Minha cabeça estava apoiada no ombro de Sam e mais gente estava acordando. O piloto avisou para todos sentarem e as aeromoças andavam de um lado para outro conferindo se todos estavam com seus cintos presos corretamente. Foi então que o avião fez uma curva brusca e umas das aeromoças perdeu o equilíbrio. Ela estava ao lado da cadeira que estava na nossa frente. Ela bateu com a cabeça no braço da poltrona de Sam.
A sensação estranha me atingiu como uma flecha. Eu senti o desejo passar incendiando minhas veias, fazendo meu corpo inteiro estremecer. Eu me afoguei nessas emoções sendo inteiramente levada por elas. Eu não conseguia voltar à tona.
Aconteceu muito rápido e quando dei por minha conta estava soltando o cinto e indo em direção da pobre mulher que ainda estava tonta. Era como se outra pessoa tivesse controlando meu corpo. Meu olhar inteiramente ligado na linha escarlate que descia no rosto da aeromoça. Sam olhava para o mesmo ponto intensamente, antes de perceber que eu levantara. Ele me empurrou novamente na poltrona e passou seus braços envolta de mim. Pra quem não estivesse a par de toda a situação, ele poderia estar me abraçando, mas eu podia sentir a força descomunal que ele fazia para me prender ali.
- Se concentre. – ele sussurrou entre os dentes, encostando sua boca em minha orelha.
- Eu quero... Necessito daquilo. – choraminguei.
- Não Anne. Se concentre, por favor.
Meus olhos ainda preso na aeromoça que agora estava sendo amparada pelos seus colegas de trabalho. Eu tentei voltar à realidade. Ignorar aquele misto de emoções que passavam por mim. Eu não consegui fechar meus olhos, nem mesmo piscar. Mas fui me concentrando em outras coisas. Pensei em Matt, pensei em Sam que ainda me segurava com força. Finalmente consegui fechar meus olhos e assim foi mais fácil de me concentrar.
O que eu estava fazendo? O que estava acontecendo comigo? Eu quase ataquei alguém por causa de sangue. Eu não era vampira, eu não precisava daquilo. Meu corpo começou a voltar ao normal e fui relaxando aos poucos, e os braços de Sam foram diminuindo aos poucos o aperto. Não abri meus olhos até que o avião aterrissasse, e Sam permaneceu em silencio o tempo todo.
Os passageiros já haviam saído do avião, quando Sam falou finalmente.
- Vamos?
Ele se soltou delicadamente de mim e ficou me encarando por um tempo. Eu ainda estava desconcertada do que havia acontecido e a expressão indefinida no rosto de Sam não me fazia sentir melhor. Eu apenas acenei com a cabeça e o segui. Fomos direto para uma lanchonete que ficava dentro do aeroporto. Sam sinalizou para que sentasse numa mesa meio isolada de tudo e eu obedeci.
Ele falou com a garçonete num francês perfeito e trouxe um croassant e um Milk Shake. Eu não estava com fome e beberiquei um pouco do Milk. Sam ainda me olhava estranho, sua boca agora não passava de uma linha reta e eu podia ver a tensão irradiando de seu corpo.
O silencio começava a sufocar e Sam parecia não querer se livrar dele. Ele pagou a garçonete e fomos andando para o estacionamento do local. Ele segurava uma chave prata na mão e abriu o porta-malas de um carro prata no fim do estacionamento. Paramos em frente a ele, e Sam jogou sua peruca com uma agressividade exagerada. Eu já havia esquecido o treco peludo, mas tive todo o prazer de tirá-lo.
Mesmo tendo dormido a maior parte das viagens, minhas pernas pareciam mais cansadas do que nunca e não esperei que Sam em acompanhasse. Me aconcheguei no banco e descansei minha cabeça refletindo no que acabara de acontecer. De como o cheiro doce me atraiu. Aquele silêncio estava me fazendo cada vez pior.
- Perder o controle é comum Anne. – parecia ter se passado anos até Sam falar. Ele sentou do meu lado no carro e passou o braço pelas minhas costas, me aproximando mais dele.
- Você não está chateado comigo? – minha voz saiu meio chorosa.
Ele me olhou como se eu acabasse de insultá-lo.
- Anne, como eu disse... Perder o controle é comum.
- Mas você ficou estranho depois que tudo aconteceu.
Ele ficou em silencio por um breve tempo.
- Admito que fiquei assustado quando vi a sua reação. Mas eu já estou acostumado com coisas assim. Você só seguiu os seus instintos Anne.
- Eu sou humana, Sam. Humanos não atacam outros quando...
- Você é meia humana Anne. – ele me interrompeu.
Minha voz ficou presa na garganta. Eu havia me esquecido desse detalhe. Então minha parte vampira, resolveu se manifestar.
- Não vamos nos preocupar com isso, por hora. Ainda temos um pequeno caminho a seguir. Podemos?
Acenei com a cabeça e Sam ligou o motor do carro, fazendo-o rugir como um leão. Sam sorriu como um menino contente fazendo toda aquela expressão mortificada desaparecer.
- Como eu esqueci. – ele parecia dizer isso mais para si mesmo do que para mim. Ele soltou o pé do acelerador e começou a revirar seus bolsos. Até que ele pegou uma pequena caixinha de veludo azul, com algum brasão bordado na frente. Ele me entregou o delicado objeto, sorrindo agora intensamente. – Abra.
Eu obedeci e me deparei com algo que parecia uma pequena estrela presa numa fina linha prata. A pedra que ficava no pingente brilhava de uma forma que ofuscava a visão.
- Ah Sam... – minha voz chorosa mais uma vez.
- Era da mamãe. – e aquelas palavras bastaram para que as lágrimas tornassem a rolar pelo meu rosto. Sam pegou a gargantilha e eu me virei puxando meu cabelo para o lado. A jóia fria em meu pescoço me causava arrepios. Mas um tipo diferente de arrepio. Era como se aquilo me deixasse melhor, mais leve.
Sam pisou fundo no acelerador e o motor voltou a rugir suavemente. Mas eu já estava desligada daquele mundo. Agora apertava fortemente o pingente que um dia, pertenceu a minha mãe.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Capitulo Dezoito - Vampiros?

A luz alaranjada vindo da janela me alertou que já era tarde. Levantei rapidamente, olhando em volta, tentando me lembrar como viera parar ali. Já não estava no quarto de Sam, as paredes verdes não me deixavam mentir. Uma onda de tristeza começou a me engolir, tentei me prender as lembranças boas tentando diminuir o nó que teimava em aumentar.

Meus pés me levaram inconscientemente para o banheiro. No espelho notei que ainda usava as roupas de ontem a noite. Minha blusa estava manchada de sangue, eu a tirei rápido, com uma agressividade desnecessária. De novo, reparei na diferença do meu rosto, reparando novamente no brilho que parecia deslocado. A irritação em meu pescoço parecia cada vez melhor, tornando se agora um leve avermelhado, quase imperceptível. Tomei um banho rápido, tentando pensar o menos possível em tudo que aconteceu.

- Você acordou! – a voz de Pablo cortou o silencio que se fazia no hall. Seu sorriso era de um certo modo contagiante, não pude deixar de retribuí-lo.

Notei que a não ser por Pablo e Michael a sala estava vazia. Varias caixas de papelão deixavam quase impossível se locomover ali.

- Onde está Sam? - minha voz ecoou pela casa vazia.

- Sam... - Pablo começou a falar, mas parou no meio da frase, olhando para Michael.

- Ele está numa excursão de caça. – falou Michael despreocupadamente, mas pude ver seu olhar em mim esperando que eu surtasse, ou algo do tipo.

- Ah! – tentei passar um ar de despreocupada que pareceu funcionar. Michael voltou a fazer anotações em uma prancheta. – E Matt? – disse, tímida.

-Foi também. – respondeu Pablo.

Senti meu estomago roncar. Não me lembrava a ultima vez em que havia consumido algum alimento. Levei minha mão automaticamente a barriga, o ato não passou despercebido por Michael.

- Oh, que falta a minha, você deve estar faminta Anne. – ele já estava ao meu lado num piscar de olhos, fazendo alguns papeis voarem em sua passagem.

Michael me levou até a cozinha, e ainda em silencio, colocou algo no forno. Ele me passava um tipo de segurança que era muito bom pro momento que eu estava passando. As várias possibilidades de futuro se resumiam em uma, permanecer com eles. Não demorou muito pra que ele me entrega-se um prato que pelo o que me pareceu era lasanha. A comida em meu estomago foi um alívio. Michael sentou na minha frente e me olhava pacientemente, eu sabia que ele queria falar algo comigo, eu simplesmente sentia.

- Sam me proibiu de falar isso com você. – Michael começou assim que dei a última garfada. Meu coração acelerou de forma desastrosa. – Temos pouco tempo antes que ele volte.

Eu esperei atenta, pra o que ele queria dizer, a curiosidade novamente latejando.

- Você se sente diferente? De alguma forma?

- Na verdade não. Foi somente naquele momento que eu senti algo diferente. – eu procurava lembrar como se respirar. – Foi horrível. Só de pensar, eu... Eu. – minha voz falhou e senti uma lagrima escorrer.

- Eu sei como você se sente. É terrível na primeira vez. Principalmente do modo que aconteceu com você. – ele parecia sincero – Sam te contou a diferença entre nós e eles?

Minha voz parecia travada na garganta, o máximo que pude fazer, foi balançar a cabeça afirmando.

- Mas provavelmente não contou a principal parte. Não é quem te mordeu, ou o sangue que corre em suas veias que faz de você, um de nós, ou um deles. São as suas escolhas.

- Então, vocês são todos de uma mesma raça, mas as suas escolhas que fazem a diferença entre vocês? – minha voz parecia mais firme.

- Isso mesmo. – ele parecia contente por eu ter entendido, como um professor que fica feliz por um ‘10’ de um aluno.

- Me responde uma pergunta?

- Claro, Anne.

- Como... Como seria pra eu virar uma de vocês? Completamente é claro. – acrescentei.

- Bom... – ele parecia procurar as palavras certas. – É através do contato com o sangue de nossa espécie. Primeiro, mordemos a pessoa, de uma forma que nosso sangue possa penetrar mais em seu corpo, depois de alguma forma fazemos nosso sangue pingar. É um processo doloroso, tanto na mordida, quanto quando o nosso sangue começa a modificar o corpo da pessoa. Você tem que estar muito certo do que quer. Uma vez que começa o processo, não se tem como voltar atrás.

Eu parecia ter saído daquela sala. Minha mente estava a mil naquele momento. Era isso que eu realmente queria? Sim. Eu queria viver com meu irmão, queria ter Matt para mim, mesmo que doesse, era um preço justo a se pagar.

- Anne? – a voz de Michael quebrara minha tagarelice mental. - Não fale nada dessa conversa a Sam, por favor.

Antes que eu pudesse responder, a porta da cozinha abriu. Era Sam. Seu rosto parecia mais suave, e seus olhos mais verdes do que nunca. Ele abriu um sorriso assim que me viu, o que serviu como um grande alívio para mim, não agüentaria vê-lo como estava de manhã.

- Achei que ia dormir direto. – ele me abraçou pelas costas.

- Dormi demais.

- Ah, antes que eu me esqueça Anne, Louise vai te dar algumas instruções para amanha, sabe, pra passar pelas fiscalizações.

No instante que ele falou, a vampira entrou na cozinha de mãos dadas a Pablo.

- Vamos partir amanha cedo. Alguns ficarão e cuidaram da casa por algum tempo até ter certeza que nada ficou para trás, e depois se juntarão a nós. – eu sabia que Sam estava não falando só para mim, mas comunicando a todos. Percebi que seu tom de voz mudara, e se tornou mais superior.

Ficamos um tempo conversando, bom na verdade eu fiquei calada observando a conversa de fora. Sam não desgrudou um segundo de mim, ele ainda me abraçava pela cintura. De vez em quando, sentia seus lábios no topo da minha cabeça. Eu começava a sentir frio, mas achei que seria uma grosseria falar, talvez o magoasse.

Minha mente ficou vagando pelas coisas que Michael me dissera, principalmente como ele descrevera a dor que se sentia durante a transformação. Quem faria aquele ato final? Sam? Matt? Ah Matt, me perguntei onde ele estaria naquele momento já que Sam já havia voltado.

- É melhor eu te levar pra cama Anne, amanha vamos acordar cedo. – Sam se afastou pela primeira vez de mim, e notei que as nossas mãos estavam entrelaçadas.

- Mas eu dormi a tarde toda. – tentei argumentar. Eu estava me sentindo bem ali, era como se estivesse... Em família.

- Preciso arrumar algumas coisas Anne, a não ser que queira ficar sozinha. – eu estava começando a pensar na opção, quando uma voz fez meu coração acelerar.

- Ela não precisa ficar sozinha. – seu rosto trazia um sorriso perfeito, ele parecia mais relaxado como Sam. Eu fiquei tão presa aos seus olhos, que demorei a notar que Matt estava sem camisa. Ok, aquilo não fez nada bem ao meu coração. Respire Anne.

Sam olhava hesitante para Matt, me perguntei se ele estava lendo sua mente pra ver suas intenções. Senti meu sangue fugir para o rosto.

- Quer ir com...

- Quero. – respondi antes de Sam terminar a frase.

Sam apertou minha mão com um pouco de força quando comecei a andar em direção a Matt. Eu reclamei, e ele pareceu mais relutante em me soltar. Ele me puxou mais em sua direção.

- Me solta. Agora. – minha voz começava a ficar histérica.

- Você, ARGH. – ele apontava para Matt com uma cara acusatória.

Eu não acreditei quando ouvi Matt rindo sonoramente perto da porta. Ninguém estava entendendo absolutamente nada além dos dois.

Sam me olhou com uma cara nada boa e correu em direção a porta, era perceptível que todos ali acharam que Sam iria bater em Matt, mas ao contrario, ele saiu porta afora.

- O que você mostrou pra ele? – algo me dizia que se tratava disso. Andei em direção a Matt e parei de braços cruzados o encarando.

- Qual é Anne, vai ficar brava...

- O que você mostrou pra ele? – o interrompi e fiz questão de destacar cada palavra.

-Pensei na gente se beijando ontem. – ele falou baixo, mas eu tinha certeza que os três vampiros parados confusos do outro lado da cozinha haviam escutado. Prova disso foi a gargalhada sonora de Pablo e os risinhos baixos de Michael. A única que permaneceu quieta foi Louise.

- Você sabe como ele é. – tentei demonstrar o máximo de raiva em minha voz, meu rosto formigando.

- Foi sem querer. Eu simplesmente pensei certo? Ninguém mandou ele ficar xeretando minha mente.

Eu ignorei sua justificativa e assim como Sam, sai da cozinha as pressas. Me perguntei onde ele estava, e fui logo respondida por um forte estrondo no andar de cima. Corri antes que pudesse fazer mais estragos com seu acesso de ciúmes.

- Posso entrar? – não precisei bater na porta, tinha toda certeza que ele sabia que eu estava ali.

- Droga. Entra.

Meus olhos logo foram procurando o que causou o grande estrondo, assim que encontrei o que causara desviei imediatamente o olhar. Metade de seu guarda roupa estava quebrado, com uma mesa, que claramente não estava ali antes, em pedaços.

- Você deve ter algum problema só pode. – não consegui frear as palavras antes que elas saíssem e meu tom debochado não ajudou muito.

- Eu vou matar ele. – Sam parecia realmente alterado.

- Não vai nada. Você primeiro vai se acalmar, depois vai ver o quanto bobo você está sendo. – eu andei em sua direção.

- Me promete que não vai chegar mais perto dele? – a voz de Sam parecia suplicante.

- Não vou te prometer nada, não adianta.

- Então eu vou matar ele. – ele parecia ainda mais infantil falando aquilo.

Fui andando debilmente em sua direção tentando segura-lo, mas pra quem conseguiu quebrar uma mesa e um armário eu era inútil. Mesmo sabendo que ele não me machucaria, meu corpo tremeu quando consegui segura-lo.

- Se você machucar ele, eu vou sofrer. Quer me ver sofrer Sam? – era obvio que eu conseguira tocar no seu ponto fraco. Eu. Seu corpo se relaxou, ele sentou na cama.

- Droga.

- Vai se comportar? – disse passando a mão por seu ombro.

- Ele é um babaca.

- Não é nada. – soltei meus braços dos ombros dele, cruzando-os e olhando emburrada pra ele. Seu sorriso me fez crer que tudo já estava bem. – Te incomoda tanto, que eu... – senti o sangue subir novamente para o meu rosto. – Tenha beijado ele?

- Não. Me incomoda que seja ele.

O silencio novamente preenchendo o quarto. Voltei a minha discussão mental sobre o que aconteceria comigo mais a frente, demorando um pouco mais na questão da dor.

- Só faltava essa. – Sam levantou em um pulo, eu podia ouvir um rosnado saindo de seu peito. Ele olhava para a porta com uma expressão que fez meus músculos gelarem.

- Deixa eu entrar. – reconheci a voz que vinha de trás da porta, meu coração se apertou.

- Vai embora Matt. – minha voz saiu histérica.

- Não. – assim que ele falou, abriu a porta. Eu não sabia para quem olhar, ele ou Sam. – Eu quero conversar com ele.

Os rosnados se tornaram mais altos e eu tinha medo do que Sam podia fazer.

- Não, ele vai te matar. Sai, agora.

- Ele vai ter que me ouvir. – Matt parecia ignorar as reações de Sam, mas eu era inteligente o bastante pra saber o quanto aquilo seria perigoso. – Por favor.

Aquelas últimas palavras pareciam deslocadas na situação. Sam pareceu relaxar um pouco.

- Você sabe o quanto é perigoso. – a voz de Sam parecia surpreendentemente calma.

- Prometo que faço de tudo pra me controlar. – Matt parecia suplicante.

Eu sabia que estava perdendo alguma coisa, esperei que algum deles me explicasse, mas continuaram a falar coisas sem sentido.

- É arriscado. Você sabe o que pode acontecer.

- Por favor. Por favor, Sam, nunca te pedi nada. Só preciso disso, você sabe o quanto... – seus olhos foram para mim – Eu a amo.

Respira Anne, respira. A conversa passou a ficar mais clara a partir dali.

- Por favor. – disse, fazendo uma grande força de desviar os olhos de Matt, para Sam.

Ele me olhou indeciso, por alguns segundo pude jurar que ele iria dizer não, mas seu rosto de repente pareceu derrotado. Eu podia sentir minha boca se curvando em um sorriso. Matt pareceu entender também e veio em minha direção. Suas mãos me apertando para mais perto dele.

- Ah, Não! Na minha frente não. – Sam foi em direção a porta, seu dedo apontando para Matt. – Olha garoto, só fiz isso pela Anne, que fique bem claro. E, um arranhão, uma mancha roxa que for... Você ta morto.

Tentei disfarçar uma risada tossindo. Sam já estava se virando quando Matt o chamou.

- Sam?

Ele não respondeu.

- Só queria dizer obrigado, é serio. – Matt parecia sincero, ele me apertou mais junto dele.

- Vai pra merda. – disse Sam, saindo.

Dessa vez não consegui disfarçar meu riso, Matt ria também. Coloquei minha mão junto à dele.

- Agora, você pra cama. – sua voz tinha um tom de deboche. Me soltei de seu abraço apertado e o encarei de frente, cruzando os braços.

- Ta de brincadeira não é?

- Não mesmo. Amanha você vai acordar cedo demais, Sam pretende partir assim que a senhorita acordar. Vamos, te levo até o quarto.

Ele só podia estar brincando. AH, garotos já eram difíceis de entender, agora garotos vampiros eram demais pra mim. Senti seus lábios em minha testa me fazendo estremecer.

- Vamos Anne. Temos todo o tempo do mundo quando chegarmos lá, mas agora você precisa descansar. – Era possível que eu conseguisse negar algo a ele? Droga.

- Se eu falar que eu não estou cansada, você muda de opinião? – tentei argumentar.

- Não. Vamos, já te disse, temos todo o tempo do mundo. – ele sorriu maliciosamente, considerei aquilo um ponto final pra nossa discussão. E claro, o fim dos dias em que meu coração batia normalmente.

Eu me revirava na cama diversas vezes procurando arrumar um jeito que eu adormecesse. Não sabia o que ao certo causara essa insônia repentina, ansiedade, medo de cair novamente em meus pesadelos, ou as perguntas que ainda perturbavam minha mente. Tentei até contar carneirinhos, mas nos trezentos e noventa e três, eu notara que aquilo não estava surtindo efeito algum, pelo contrario, aquilo me deixava mais angustiada. Os primeiros passarinhos começaram a cantar na floresta e eu sabia que logo o dia estaria começando.

Desisti de tentar adormecer e fui até a janela, puxando uma cadeira para me sentar. Eu olhava para escuridão esperando achar respostas. Na minha cabeça se passava vários flashbacks de um passado que me parecia cada vez mais distante. Lembrei do meu aniversario de cinco anos, em que ganhei uns patins de uma tia que nunca vira na vida. Minha mãe surtou de vez, dizendo que aquilo não era coisa pra menina de cinco anos e o escondeu. Fui achá-lo alguns anos mais tarde, no porão, dentro de uma caixa velha. Achei que seria fácil tentar andar e acabei rolando pela rua. A imagem da minha mãe gritando comigo, me chamando de louca e malcriada, fez meu coração doer. Por que tinha que ser assim? Não pude nem me despedir dos dois.

Passei a procurar as novas lembranças, do meu passado recente. A primeira vez que vira dos dois. O dia em que Sam me levou na praia, quando ele disse que me amava, e o quanto ele pareceu feliz quando eu disse o mesmo. Eu o amava mesmo. Mesmo não passando boa parte de minha vida junto a ele, eu me sentia como se tivesse crescido ao seu lado. Minha mente voou para o dia em que fui até a casa de Sam, a história que ele me contou. A história da minha verdadeira família. Meus pais que morreram para me proteger.

Os primeiros vestígios do Sol começaram a aparecer no horizonte, tentei não pensar em nada. Só reparei que o tempo havia se passado, por que agora todo o céu tomara um tom de dourado diferente, e apesar de algumas nuvens o céu estava limpo. Eram raros dias assim, tão bonitos, em Foester.

Decidi que já era hora de levantar, tive a impressão de ouvir alguns barulhos no andar debaixo. O que eu não esperava era Matt apoiado na cômoda perto da porta, ele sorria para mim.

- Há quanto tempo está ai?

- Ouvi você arrastando a cadeira, e decidi ver se você estava bem. Você tava tão concentrada que não tive coragem de te interromper. – seu sorriso aumentando, ele veio em minha direção. – E então, como está se sentindo?

- Ansiosa e com um pouco de medo, admito.

- Vai ficar tudo bem, garanto que você vai gostar de lá.

- O que demais lá? Quer dizer, por que lá?

Ele sorriu pra mim e beijou minha bochecha.

- Você vai ver. Vamos, vamos aproveitar suas ultimas horas aqui.

Ele entrelaçou nossos dedos e me levou até o andar debaixo. A casa estava tranqüila e silenciosa, a sala parecia mais organizada do que ontem à noite. As caixas agora empilhadas no canto norte.

Matt me levou até a clareira atrás da casa. As flores violetas tomavam todo o espaço. Ele se sentou numa sombra que a grande casa fazia no local, eu deitei ao seu lado, apoiando minha cabeça em suas pernas, ignorando o orvalho ainda presente nos gramados umedecendo minhas roupas. Fechei os olhos sentindo o sol em meu rosto. A sensação era boa.

- Matt ?

- Sim Anne.

- O que nós somos? – a pergunta saiu da minha boca antes que eu arrumasse freios para ela.

Ele permaneceu em silencio por alguns segundos, o que pareciam horas. Meu coração batendo a mil.

- Vampiros? – eu sabia que ele estava se fazendo de desentendido.

- Não se faça de bobo.

- Bom, acho que namorados não? – ele me beijou na testa e correu para o meio das flores.

Respira, inspira. Respira, inspira. É fácil Anne, vamos lá. Respira. Lembrar de como usar minhas pernas pareceu mais fácil. Comecei a correr inutilmente atrás dele pela clareira. Era obvio que se ele quisesse estar no Canadá nesse minuto ele já estaria. Ele fingiu se confundir e deixou que eu agarrasse sua blusa. Nós caímos juntos em meio às flores, seu rosto a centímetros do meu.

- E então, o que você acha da minha idéia? – ele sorria todo bobo para mim, seus braços flexionados evitando jogar o peso contra mim.

- Que idéia?

- Não se faça de boba. – disse ele, fazendo uma imitação da minha voz.

- Acho perfeita. – eu sabia que naquele momento eu deveria estar da cor de um tomate. Os olhos dele brilharam.

Eu mal havia lembrado como se respira, e seus lábios já estavam presos no meu. Eu podia sentir seu hálito doce. Se alguém pudesse parar o tempo, eu queria que fosse naquele momento. Eu não sabia ao certo o que eu estava sentindo, até por que acho que nenhuma palavra ainda inventada poderia fazer jus a esse sentimento.

- Droga. – eu pude ouvir Matt falando por baixo de sua respiração ofegante.

Eu já estava começando a pensar o que havia feito de errado, quando uma voz fez com que eu me assustasse.

- Vocês deram muita sorte de Sam ter me mandado vir te procurar. Quero nem pensar no que ele faria se encontrasse vocês dois, desse jeito. – Pablo parecia divertido com toda situação. Se eu pudesse me esconder dentro de um buraco, teria feito isso nesse exato momento. Pablo soltou uma gargalhada sonora.

- Vamos! Vocês dois. Chega de amasso.

Matt me ajudou a levantar. Notei que minhas roupas estavam todas sujas de terra. Tentei livrar-me de o máximo de sujeira com as mãos para ter que evitar uma futura explicação para Sam. Pablo já tinha entrado na casa.

Matt passou as mãos pela minha cintura e eu fiz o mesmo com ele. O sorriso em seu rosto mais radiante do que nunca. Era quase impossível acreditar que ele era meu... Namorado.