sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Capitulo Sete - Nada Esperado

- O que ouve Matt? Por que você ficou daquele jeito? – consegui falar, depois de muitas tentativas. Eu estava com um nó na garganta, a cada segundo que se passava eu ficava mais confusa, e tudo ficava mais estranho.
- Nada Anne, nada mesmo. Sam que é muito intrometido. – ele disse me olhando nos olhos, sua mão afagava a minha na tentativa de me acalmar.
O sinal tocou, e era hora de irmos para a sala de aula. Era somente mais um tempo de historia, e estaria livre para ir para minha casa. Era como voltar a meu habitat natural. Mais uma vez, fomos obrigados a nos apresentar. A aula passou sem novidades. Eu estava apreensiva para que a aula se encerrasse, talvez fosse por isso que via os ponteiros do relógio girar cada vez mais lentos. Matt estava sentado à carteira ao meu lado, me olhava impacientemente, e de vez em quando, seu olhar espiava o relógio.
O som ensurdecedor do sinal, desta vez foi como uma benção. Meu material já estava guardado há bastante tempo, apenas tive o trabalho de colocar a mochila nas costas.
- Quer que eu te deixe em casa? – Matt estava na minha frente antes que eu pudesse piscar os olhos.
- Se não for te incomodar. – eu me sentia mais protegida ao lado dele. Além de sempre, de alguma forma desconhecida, ele tinha o incrível poder de me deixar mais calma. Nada me desesperaria ao lado dele.
- Nunca será um incomodo Anne. – disse ele com sua voz suave que era como canção de ninar aos meus ouvidos. Um sorriso brotou no canto de sua boca. Ele estendeu seu braço como fizera mais cedo, e eu mais uma vez me agarrei a ele.
Saímos da sala de aula juntos, ainda se olhando. Os corredores estavam cheios, e um grupo de meninos se unia em volta a um mural que tinha escrito com letras amarelas bem grandes: “Teste para equipe de basquete”.
- Anne, tenho que pegar um livro no meu armário. Me espera aqui, está bem? – disse ele sorrindo.
- Tudo bem.
Seu sorriso perfeito tinha efeitos colaterais em meu batimento cardíaco. Enquanto ele ia se afastando, reparei que no outro lado do corredor, Sam me encarava fixamente. A tristeza ainda estava em seu olhar.
- Pronto. Vamos? – Matt chegara ao meu lado sem que eu tenha percebido, me fazendo desviar meu olhar de Sam.
- Vamos. – disse forçando um sorriso.
Voltei a olhar onde Sam havia parado, mas ele não estava, mas lá. Olhei em volta, vendo se podia encontrá-lo, mas nada. Lembrei então, que tinha que ir à secretaria, ver se arranjava algum telefone que pudesse me comunicar com Marina, saber se ela estava bem talvez ameniza-se a culpa que eu ainda mantinha por tê-la machucado.
- Matt, vamos dar uma passadinha na secretaria antes de ir embora? Preciso fazer umas coisas- lancei um olhar implorativo para ver se tinha o mesmo sucesso que o dele tinha comigo.
- Anne, não precisa pedir. – eu tinha certeza que se ele continuasse a sorrir perto de mim, não demoraria nada para que eu criasse um grave problema de coração.
A chuva caia sem tréguas lá fora, sorte que a secretaria era nesse prédio. Fiquei pensando em como iríamos até em casa sem ter uma hipotermia. A sala estava vazia, e na recepção a mesma senhora, que me entregara os horários e a chave do armário.
- Olá querida, o que deseja? – ela foi logo se antecipando, com um sorriso amável no rosto.
- Certo hm – eu não era muito boa com as palavras, então resolvi ser mais direta – Uma menina, colega de sala, então, ela se machucou, na verdade, acho que fui eu quem a machucou – Matt bufou ao meu lado, olhei para ele, seu olhar era desaprovador, mas continuei o meu pedido – então, eu queria saber se ela está bem, fiquei preocupada. Teria como à senhora ver se tem algum telefone que eu possa me comunicar com ela? Por favor.
- Querida, é contra as regras dar qualquer informação sobre alunos para o outro. – ao ouvir fiz logo beicinho – Mas no seu caso, vejo que você está preocupada. Assumo os riscos querida. Qual é o nome de sua amiga?
- É Marina, não sei o sobrenome.
- A ela é da sua sala? – disse a senhora amavelmente.
- Sim, quer o meu nome? Ficará mais fácil de procurar.
- Não, já achei. Marina Jensen. – ela anotou o telefone em um papel e me passou.
- Obrigada mesmo. Vou ficar mais tranqüila.
Saímos da sala ainda juntos. O corredor estava quase vazio. A chuva tinha cessado e muitos alunos pegaram a oportunidade para conseguir chegar em casa secos. Aproveitamos também e fomos caminhando rapidamente até minha casa. O silencio entre nós não era constrangedor.
As calçadas estavam molhadas e escorregadias, agarrei mais forte em Matt, com as minhas experiências era bem capaz de eu escorregar feio e me machucar. Ele percebeu o meu desequilíbrio e passou sua mão pela minha cintura. Mesmo com duas camadas de tecido, sua pele fria ainda me arrepiava. Mas eu estava segura, estava ao lado dele.
Ele me deixou na porta de minha casa, e com um beijo no rosto se despediu de mim. Seus lábios frios me deixaram arrepiada.
Mais uma vez, meus pais não se encontravam em casa quando cheguei. Preparei um almoço rápido e comi. Minha mente ecoava flashbacks de tudo que acontecera hoje. De minha catastrófica aula de Educação Física, das coisas estranhas que Sam dissera, dos segredos que Matt disse que havia. Eu queria muito saber às tais revelações, mas tinha medo. O olhar de Sam me deixara muito tenebrosa de que estaria prestes a ouvir, quando fosse o momento.
Dei um tempo para as minhas teorias, e resolvi ligar para Marina para saber como ela estava. A dor da culpa ainda me tomava. Peguei o papel, que estava em meu bolso, e disquei os números. Foram necessários uns três toques até uma voz afobada atender meu telefonema.
- Alô? – a voz rouca do outro lado perguntou.
- Poderia falar com a Marina? – perguntei ansiosa.
- Só um minuto, ela ta na cama, vou levar o telefone até lá. – senti uma pontada de culpa.
Esperei pouco tempo até que a voz meio grogue de Marina atender ao telefone.
- Quem é? – as palavras saíram meio emboladas.
- Marina, sou eu Anne. Peguei seu telefone com a secretaria da escola, como você ta?
- Anne. – ela gemeu, após no que me pareceu, a tentativa dele de se mexer- Estou bem. É serio só um pouco grogue pela quantidade de remédios que me passaram.
- Ah Marina eu sinto muito, se tiver algo que eu possa fazer, pra amenizar meu estrago – fui interrompida por sua vez um pouco raivosa.
- Quantas vezes tenho que repetir para você que não foi culpa sua? Eu que peguei a bola de mau jeito Anne, pare de se culpar.
- Não consigo Marina, e amanha você vai pra escola? – perguntei tentando desviar do assunto de ‘’a culpa era de quem’’.
- Não Anne, o medico me mandou ficar de repouso até segunda. Você vai ficar bem lá?
- Não acredito que você ta preocupada comigo.
- Na verdade, não to não. Você tem alguém que fiquei contigo. – insinuou Marina.
- Lá vem você.
- Fala serio Anne, vai falar que não rola um clima entre vocês? Ele não para de te olhar um segundo.
Não era só eu então que havia reparado nos incansáveis olhares dele para mim.
- Ah, não sei. Ele... Ele é muito perfeito para mim. Sou sem sal demais.
- Para Anne, você é linda.
Ouvi então, uma voz carinhosa, pedindo para Marina se deitar.
- Anne, olha tão me torrando aqui para desligar. Querem que eu descanse.
- Ah ok, é bom mesmo. Boa tarde Marina. Melhoras.
- Obrigado Anne.
A chamada se silenciara. Minha mente voltara para os pensamentos que me cercavam há alguns minutos atrás.
Até que uma dor surgiu minha cabeça como se um martelo tivesse me atingido. Minhas têmporas queimavam em chamas. Uma angustia me tomou. Sentia minha cabeça a ponto de se explodir. Minha mente ficou vazia, e tudo tomara a cor de carmim. Parecia que a dor nunca iria cessar. Fiz de tudo para levantar de onde eu estava, mas a dor parecia aumentar. Quando de repente, tudo voltou ao normal. Da mesma maneira estranha que essa dor me tomou, ela se fora.
Muita coisa estranha estava acontecendo. Eu tinha medo do que viria a seguir.
O resto da tarde passou tranqüila, eu tomei um tilenol, pra caso a dor de cabeça, voltasse para me assombrar.
Resolvi então, passar a limpo a revisão de historia que a professora dera, não era nada de novo, mas pela falta do que fazer coloquei tudo organizado.
Um barulho na garagem anunciou que meus pais chegaram do trabalho. Eu sentia falta dos dois, mas sabia que a carreira deles dependia de viagens a cidades maiores. Eu não pretendia seguir a mesma carreira que eles, medicina estava fora de cogitação. Mexer com sangue, vidas não era algo que me deixa-se a vontade.
- Anne, querida, morro de preocupações em deixar você sozinha em casa. – Minha mãe, como sempre, rainha do drama, me puxará pra um abraço esmagador.
- Tudo bem mãe... Pode me largar. – tentei falar em meio ao aperto.
Ela preparou um jantar rápido, nada que eu não estivesse acostumada.Conversamos um pouco na mesa antes do cansaço me tomar.Resolvi deitar, o dia tinha sido cansativo para mim e a cama seria um bom refugio.

Meu coração pulsava cada vez mais rápido dentro de mim. A adrenalina tomava cada veia e cada artéria de meu corpo. Minhas pernas não acompanhavam o que minha mente queria. Eu teria que ser mais rápida, se quisesse sobreviver. Tanto esforço, para nada. Um galho no caminho fez que eu tropeçasse direto para o chão. Não tinha escapatória, eu fechei os olhos para não ver o ataque mortal de meu predador. Sua mão gélida me agarrou em um abraço mortal. Eu sabia que aquele era o meu fim.
Com um pulo, eu acordei de mais um pesadelo. Meu corpo transbordava em suor. Os primeiros raios de Sol brotavam no horizonte, e aos poucos invadiam meu quarto. Eram quase seis horas da manhã. Resolvi ir tomar banho, estava suada e estava ficando irritada.
Dentro do chuveiro, minha mente mais uma vez, voltara com as perguntas que eu ainda tinha em minha mente. O tal mistério que cercava os dois anjos de minha escola. Tentei, sem sucesso, encontrar em minha cabeça outro assunto em que eu pudesse me importar.
Vestindo a roupa notei que a marca avermelhada em meu pescoço havia se alastrado mais, quase tomando totalmente a parte esquerda de meu pescoço.
Descendo as escadas, percebi que só minha mãe estava sentada na mesa da cozinha. Olhei decepcionada e ela entendeu o motivo.
- Cirurgia de emergência Anne, sabe como é. – ela tentou explicar.
- Não tudo bem, entendo.
- Outra coisa, você se importaria de passar o fim de semana sozinha? – seu olhar era implorativo.
- Sabe que não mãe. Já me acostumei. Podem ir em paz. – disse sorrindo.
Me apressei já que mais uma vez minha carona estava a quilômetros de mim. Ao abrir a porta, confesso que me decepcionei um pouco ao ver que meu anjo, nem Sam, estavam sentados no banco.
A caminhada foi um pouco estressante, sem nenhum apoio, as calçadas escorregadias haviam se tornado um grande perigo para mim.
O colégio já estava cheio, alguns alunos estavam na porta, comentando sobre os testes para o filme de basquete. Procurei meu anjo, mas ele não estava lá. Na verdade, não o achei em lugar nenhum, cheguei a procurar no corredor, em direção a sala de aula, mas nada.
A sala estava vazia, assim como meu coração. Tentei me acalmar talvez ele havia se atrasado. Eu me sentia desprotegida longe dele. Sua proteção, em pouco tempo, se tornara um vicio, precisava dela para viver. Sabia que era um pouco de drama demais, mas tudo o que estava acontecendo estava longe de ser normal.
E eu estava certa, passaram-se os dois tempos de matemática, e nem sinal de Matt. Sem Marina também. Eu estava o mais solitária possível, a turma mal ou bem, já estava dividida nas típicas panelinhas.
O sinal tocou anunciando que meu solitário intervalo chegara. Adiei ao máximo a minha saída da sala de aula, não estava nem um pouco disposta a ficar no meio de tanta gente sozinha. Uma verdadeira intrusa no meio do formigueiro.
As mesas já estavam lotadas quando cheguei e sem fome, decidi passar o recreio no pátio exterior. Estava frio, mas meu casaco me deixara bem aquecida. Um toldo protegia os bancos da chuva, mesmo assim eles estavam úmidos. Fiquei ali sentada sozinha, olhando os pingos de chuva que ainda relutavam em cair. Então reparei, que do outro lado. Perto das paredes da escola, estava Sam. Um arrepio passara por todo meu corpo. Na mesma hora me lembrei de palavras que ele havia dito ontem para meu anjo. “Sabe que eu posso te tirar daqui a hora que quiser não sabe?”. Então ele havia cumprido a sua ameaça, ele havia tirado de alguma forma, Matt de mim.
A raiva passou pelo meu corpo, e logo eu já estava levantando. Não era de o meu feitio tirar satisfações, mas dessa vez era um caso especial. Ele notou que eu estava me aproximando dele, e começou a se mover em minha direção. Parei imediatamente, esperando que ele chegasse até mim. Ele estava ainda estava se aproximando quando comecei a despejar as acusações:
- Foi você não é? Por isso Matt não está aqui. Você disse que ia tirar ele de mim, e fez. Você não tem que cuidar da minha vida entendeu? Nem sei quem é você. Traga Matt de volta.
- Primeiramente, se acalme. Segundo, senta ali – disse ele apontando para um dos bancos- Assim que você se acalmar respondo as suas perguntas. – sua voz estava serena.
Sentei-me, mas ainda estava nervosa. Ele havia tirado Matt de mim.
- Vamos começar, sim, fui eu quem tirou Matt daqui. Eu disse, e fiz, tenho bastante poder para isso. Depois, tenho que cuidar de você, mais do que você imagina. E não, não vou trazer o fedelho de volta.
- Então você admite, pode me dizer o porquê você tirou ele daqui? Quem é você para mandar e desmandar nele?
- Sou muita coisa Anne, muita. Ele me desrespeitou, desrespeitou ordens que foram dadas a ele. Ele teve o que merecia.
Eu notava que sua voz tinha um timbre de ódio.
- Não estou entendendo nada, quer me explicar, por favor? E que historia é essa de você ter que cuidar de mim?
- Não dá Anne, você não esta preparada. – ele já estava se levantando, quando puxei seu braço.
Nossos olhares se encontraram por alguns instantes, antes dele desviar seus olhos.
- Eu estou preparada. – afirmei, mesmo sabendo que talvez, na verdade, não estivesse.
- Se tudo que você sabe até hoje, sobre si mesma, for uma grande mentira. Você agüentaria ouvir?
Suas palavras não me chocaram, eu tinha já havia chegado a conclusão que esses segredos envolveriam muita coisa.
- Eu estou preparada. – afirmei novamente.
- Então esta bem, te contarei toda a verdade. Hoje após a aula. Espere-me no portão da escola.
- Pode me responder somente a mais um pergunta?
- Pergunte.
- Você tem algo ligado a mim – afirmei. – Qual é essa ligação? Por favor.
- Promete que não vai entrar em choque como sempre?
- Prometo. – como ele sabia da minha insistente habilidade de entrar em choque?
- Eu... Eu – ele afagou meu rosto. Sentia meu corpo tremer de ansiedade- Sou seu irmão.
Mesmo tendo prometido que não entraria em choque, as palavras serviram como se um balde água fria, tivesse sido jogado em mim.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Capitulo Seis - Discussões

Andar ao lado de meu anjo era como se uma brisa refrescante, te tomasse em meio ao deserto. O mundo não era o mesmo mundo, quando eu estava ao lado dele. Não, não estou exagerando. Mas uma coisa era intrigante, por que esse instinto de proteção dele comigo. Todas as vezes que eu ameaçava surtar, que eu me sentia angustiada, ele parecia querer me proteger. E funcionava somente de eu saber que ele estava ali, tentando me fazer sentir melhor, meu coração conseguia se recuperar, ele era a minha cura.
Os últimos dias, não foram nada normais, o silencio que estava me sufocando a tempos, sumiu, dando a luz ao alivio. Eu me sentia mais livre em saber que podia compartilhar aquele segredo tão obscuro de minha vida, com alguém, que não repetisse que tudo o que eu vira fora recorrente do estado de choque em que entrei.
O que realmente me preocupava, era a agonia que me tomava toda vez que via o tal amigo de Matt. Sam era um ponto de interrogação, que eu queria desvendar. Eu tinha absoluta certeza, que já tinha visto ele antes, sabia que ele era presente em alguma parte de meu passado. Mas não sabia em que tal parte ele se escondia. Eu estava confusa, surpresa e fascinada.
- Esta pensando em que? – sua voz suave rompera minha linha de pensamento.
- Sinceramente? – perguntei.
- Claro.
- Quem são vocês. Você e Sam me deixam um tanto, não sei que palavra usar, mas é um misto de fascinação e confusão.
- Tudo tem seu tempo, prometo que um dia te explico tudo. – seu rosto mostrava sinceridade.
- Então tem algo a ser explicado?
- Não vou mentir para você. Existe muita coisa a ser explicada.
Então havia algo a ser explicado, eu não estava tendo uma crise de paranóia. Algum segredo cercava Matt e Sam, e pelo que percebi, eu estava envolvida nele. Estremeci com a idéia.
-Posso fazer só mais uma pergunta? – a resposta dele, talvez, ajudasse a acalmar meu animo.
- Sempre que quiser. Diga.
- Seu amigo Sam, ele tem algo ligado a mim certo?
- Sim, ele tem mais coisa a se ligar a você do que eu, Anne. Muita coisa.
Eu já sabia a resposta. Olhei em volta tentando realinhar meus pensamentos. A chuva que anunciara cair a alguns dias, resolveu aparecer. Caia sem piedade, e formava uma cachoeira perto das calhas. Dois alunos corriam tentando atravessar de um prédio para outro. Eu queria saber qual era a tal ligação. Mais cedo, quando perguntei a Sam, se algo me ligava a ele, ele negou. Estava confusa.
- Mas então – ele voltou a olhar em meus olhos – por que de manhã ele negou? Por que ele não vem me falar o que aconteceu?
- Anne, talvez seja difícil você entender agora nesse momento. Passado para o Sam é sinônimo de tristeza, ele ainda sofre. Quando você souber de tudo, entenderá com certeza.
- E quando é que eu vou saber de tudo isso? – minha curiosidade, aumentava a cada palavra dita por meu anjo.
- Em breve Anne, não existe data. Só quando chegar o momento certo, não te esconderei nada, pode ter certeza.
- Se eu surtar, você me conta tudo? – tentei ser irônica.
- Paciência Anne. – inesperadamente ele afagou meu rosto. Seu toque me deixava arrepiada.
O som ensurdecedor do sinal desfez o nosso momento. Ele levantou em um pulo, e como os antigos cavalheiros faziam, se curvou na minha frente, mostrando o braço para que eu o acompanhasse. Olhei para seu rosto, que trazia um sorriso brincalhão.
- A dama me daria à honra de acompanhá-la até o refeitório? – o sorriso permanecia no canto de sua boca.
Levantei, brincando ajeitar um vestido imaginário.
- Com todo prazer. – passei meu braço pelo dele.
O refeitório já estava lotado. Não havia nenhuma mesa vazia.
- Pegue o que você quer comer, eu vou tentar achar uma mesa para nós. – disse Matt, desgrudando delicadamente nossos braços. Ele se virou, e sem que eu esperasse, beijou minha testa. Seus lábios frios me fizeram tremer. Sorri em resposta. E ele foi caminhando em direção as mesas do refeitório.
Peguei uma maça e um refrigerante, e fui logo procurar onde ele estava sentado. Não me surpreendi de ver Sam ao lado de Matt, sentados numa mesa próxima a janela. Lembrei de Marina, e fiz um lembrete silencioso para passar pela secretaria, para tentar arranjar um telefone que eu pudesse me comunicar com ela.
Senti o olhar dos dois em mim logo que me aproximei da mesa. Os olhos dos dois eram de um verde claro perfeito, mas eram olhares distintos. O de Matt era de fascinação, já o de Sam era triste, mas tinha algo em comum entre os dois além da cor, o instinto de proteção. Os dois eram olhares protetores.
Sentei-me em silencio ao lado de Matt, Sam inclinou a cabeça para baixo, parecia tentar evitar o meu olhar. Comi minha maça em silencio. Matt olhava devotamente para mim. Até que Sam quebrou o silencio levantando a cabeça.
- Na quadra hoje, a culpa não foi sua às vezes fica difícil de controlar. E Marina está bem. – ele falou as palavras tão rápido, que demorei uns segundos para entendê-las.
Não fora só eu que ficou surpresa com as palavras ditas por Sam, Matt ao meu lado estava boquiaberto. Sam nos encarava esperando que um de nós se pronunciasse.
- Como assim, fica difícil de controlar? – disse ainda confusa demais.
Ficou visível que Matt chutou Sam por baixo da mesa, mas mesmo assim Sam continuou a falar.
- Não tente entender, como Matt disse tudo tem seu tempo. Uma hora tudo será dito. Só não quero você preocupada, Marina está bem. Provavelmente terá que engessar a mão, mas nada de muito grave.
- Chega. – Matt levantou batendo na mesa- Michael vai ficar bem feliz quando eu contar isso pra ele.
- Concordo, vai ser felicidade tremenda quando eu contar de algumas coisinhas que você andou falando também. - disse Sam levantando
- Sai da minha cabeça, sabe que eu odeio isso!
- Bem fácil fazer escondido, assuma o que fez.
- Não vou assumir nada, por que não fiz nada demais. – disse Matt me puxando para ir embora. Levantei e me agarrei em seus braços.
- Sabe que eu posso te tirar daqui a hora que quiser não sabe? – ameaçou Sam enquanto estávamos saindo de perto da mesa.
Um grupo de pessoas que reparou na briga que se formou na mesa, estava olhando alternadamente de Matt para Sam. Matt ao ouvir a provocação de Sam, se virou. Eles se olharam intensamente por um tempo. Até que Matt numa voz raivosa falou.
- Veremos Sam. Veremos. – ele se virou e continuamos andando até o corredor.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Capitulo Cinco - Força

A tarde passou rápida, de uma maneira tranqüila, minha cabeça voava ao lembrar do sorriso perfeito do meu anjo. Ele de alguma forma conseguiu tampar o buraco em meu peito. Ele fizera meu medo sumir de alguma forma. Seu sorriso talvez fosse mágico, curava as dores passadas. Meu corpo formigava só de lembrar seu toque macio e gélido. Não via a hora de amanha voltar a encontrar com ele.
Minha mãe chegara tarde do trabalho, tive que improvisar um jantar rápido, nada que um macarrão instantâneo não resolvesse. Papai como sempre, não chegava antes de 11 horas, eu estava cansada, tinha passado por boas emoções hoje, decidi ir deitar. Meus sonhos dessa vez, não tinham corrida, medo, nem ódio. Tinha somente ele, o meu anjo.
Dessa vez, dormi até demais, o despertador tocou, mas meu corpo estava cansado demais para levantar. Adiei o máximo que pude levantar, mas passou pela minha cabeça a possibilidade de ver mais uma vez meu anjo e ouvir mais uma vez sua voz. Levantei da cama em um pulo, fui direto para o meu guarda roupa.
No banheiro, percebi que a mancha em meu pescoço havia ficado mais avermelhada. Coçava irritantemente se fosse tocada. Falar para minha mãe sobre ela estava fora de cogitação, não estava afim de escândalos sobre saúde. Descendo as escadas, reparei que não havia ninguém na cozinha. Nem na sala. E pelo que percebi, nem nos quartos lá em cima. Havia um bilhete na geladeira, que pela letra notei ter sido escrito por minha mãe:
“ Querida, tive que sair com o seu pai para trabalhar mais cedo. Espero que entenda. Tem cereal no armário em cima da pia, e leite novo na geladeira. Beijos meu amor.”
Arranquei o bilhete com uma exagerada força, mais uma vez, teria que ir pra escola a pé. Comi rapidamente meu cereal, peguei minha mochila e corri para a porta. Logo hoje que eu decidi dormir até mais tarde, meu pai não estava aqui para me levar.
Logo depois de abrir a porta, uma surpresa, sentado no mesmo lugar de ontem, estava ele, o meu anjo. Mas desta vez não estava sozinho, ao seu lado, estava o outro anjo. O mesmo que me deixara intrigada.
- Bom dia – disse olhando tanto para Matt, quanto para o outro anjo ao seu lado.
- Bom dia Anne – ele disse sorrindo, mas olhando para o outro anjo ao seu lado, para ver se ele se pronunciava.
Em vez disso, ele lançou um olhar raivoso para o meu anjo. Um arrepio passou pela minha espinha, seu olhar era profundo e tristonho. Matt simplesmente o ignorou, voltou a olhar para mim.
- Não liga, Sam não é o que se chama de educação em pessoa. – disse ele sorrindo.
Então era esse o nome do outro anjo, Sam.
- Ah certo, mas eu não mordo não. – disse num tom sarcástico, olhando para ver qual era a sua reação. Matt riu alto, numa risada musical e perfeita. Sam riu também, e se aproximou de mim.
- Bom dia Anne, meu nome é Sam. – disse ele sorrindo, seu sorriso era tão parecido com o de Matt, perfeito e suave.
- Bom dia Sam, prazer. – seu sorriso me deixara encantada assim como o de Matt,mas seus olhos emanavam tristeza. Seu rosto familiar me deixava tão confusa. Não me contive, as palavras saíram pela minha boca, sem que antes eu arrumasse freios para pará-las.
- Eu te conheço de algum lugar, seu rosto é tão... Familiar. Agente já se viu alguma vez? – eu preferia não ter dito nada, seu rosto se contorceu em dor e surpresa. Como se um balde de água fria tivesse sido jogado nele.
- Acho que não. – sua voz que a pouco era musical e perfeita se tornou um ruído sem vida. Ele caminhou com rapidez e ganhou uma boa distancia entre nós.
- Eu não quis... – eu tentei me justificar, mas fui interrompida por Matt.
- Não se preocupe ok?! Ele é sempre assim. – meu anjo disse, afagando meu rosto. Sua pele continuava extremamente gélida.
Caminhamos em silencio até a escola. Algumas vezes, Sam olhava para mim, com um olhar tristonho. Sentia que ele queria falar alguma coisa, eu queria perguntar, depois do ocorrido, me faltou coragem.
A escola já estava cheia, no instante em que pisei na entrada, o sinal tocou anunciando a minha primeira aula de Educação Física. Fiz um lembrete silencioso de tentar arrumar um jeito de me livrar desse tormento. Sam se dirigiu mais a frente, para sua sala de aula. Antes, deu um leve aceno com a cabeça para mim, eu sorri em resposta. Matt foi andando na frente, para pegar uns materiais que ele havia deixado no seu armário. Marina já estava na porta da quadra, com um sorriso no rosto.

- Anne, antes que eu morra de curiosidade, o que você ficou fazendo com o Matt ontem? – ela disse atropelando as palavras, antes que eu pudesse interrompê-la.

- Eu sabia que você ia me perguntar isso, - não consegui deixar de rir- a gente não falou nada demais, papo pro ar. – não estava mentindo, agente realmente não falara nada demais.

- Mas onde vocês já se conheciam, ou algo do tipo, ele não veio falar com você do nada. Não?!

- Ele veio falar comigo do nada, serio. Nunca o tinha visto.

- Serio?! Nossa que estranho, Anne, mas que ele é muito gatinho ele é, fala serio. – não me contive e comecei a rir, corando.

- É realmente ele é muito... – fui interrompida por uma voz musical.

- Bom dia, meu nome é Matt. – ele disse se apresentando a Marina.

Parecia sincronizado, eu e ela começamos a rir no mesmo instante. Fiquei ainda mais corada.
- Desculpe perdi alguma piada? – disse ele confuso.

- Não, deixa pra lá. Hm, coisa de garotas. Prazer Marina – disse Marina ainda rindo, estendendo a mão cara Matt.

Ele sorriu e apertou a mão de Marina. Um apito ecoou pela quadra, anunciando a chegada do professor.

- Atenção, vou colocar as listas de esportes em cima da minha mesa, preencha sua ficha e coloque nos respectivos lugares. Estão disponíveis quatro opções.

- Vai escolher qual Anne? – disse Marina, olhando para a lista de esportes disponíveis no mural.

- Tem a opção: Não fazer?

- Não Anne. – disse Marina rindo – Vamos fazer Vôlei? É legal, nos fazemos juntas, que tal?
- Pode ser. Mas queria mesmo não fazer. – peguei de má vontade o formulário e fui logo preencher

A aula era entediante e monótona, como toda aula de Educação Física era para mim. Regras, linhas, dicas. Nada que eu conseguisse praticar posteriormente. Do outro da quadra, meu anjo olhava diretamente para mim, sem desviar o olhar. Eu disfarçava, mas não conseguia deixar de olhar para ele por muito tempo. Ele era meu imã, meu perfeito imã.

O professor resolveu então, começar a aula pratica. Ele dividiu a turma de Vôlei em dois grupos e infelizmente não tinha reservas o time. Marina ficou do time oposto ao meu. Uma das meninas tagarelas de minha turma foi quem deu inicio a partida, com o primeiro saque.
Estava indo tudo bem, as pessoas repararam na minha pouca habilidade com a bola, e não passavam a bola para mim. Gostei disso, pelo menos eu não tinha que me dar ao trabalho de fingir que sabia jogar alguma coisa. Até que chegara a minha vez de sacar, o que não estava nos meus planos. Peguei a bola com certa raiva de ser obrigada a jogar, e me lembrei do pouco que tinha visto os outros jogadores sacando. Joguei a bola sem jeito para o alto, e bati com uma violência e força exagerada. Do outro lado, Marina tentara receptar minha bola, que ia à alta velocidade. Só consegui ouvir o grito agudo de dor de Marina. Automaticamente corri para seu lado. Seu pulso estava visivelmente fissurado. Uma pequena multidão se formou em volta dela. Eu estava ajoelhada ao seu lado, pedindo o máximo de desculpas que conseguia pronunciar. Eu estava chocada, nunca tive força para nada e com um saque consigo quebrar o pulso da minha nova amiga. O professor chegou pedindo para que todos se afastassem. Todos obedeceram menos eu, que continuei ao seu lado. Seus gemidos de dor me deixavam mais preocupada. Até que senti uma mão gelada me puxar para cima.

- Vamos Anne, ela vai ficar bem. – meu anjo estava ao meu lado, com suas mãos envolvendo meu braço.

Eu não tive, mais uma vez, como recusar esse pedido. Eu não consegui recusar nada vindo dele.

- Marina me desculpe, eu não tive a intenção – disse me desculpando de meu erro, já levantando.

- A culpa não foi sua Anne – ela disse tentando manter a voz calma, sem sucesso – Foi eu quem pegou a bola de mau jeito.

Matt me puxava cada vez mais forte e fui obrigada a deixar Marina deitada no chão da quadra.
- Vamos dar uma volta no pátio. Você esta muito nervosa. – Matt disse me entregando meu casaco.

- Não, quero ver o que vai acontecer com ela, fiquei preocupada. Se eu não tivesse batido tão forte... – fui interrompida por sua voz musical.

- A culpa não foi sua. Vamos você esta visivelmente nervosa. Não quero te ver assim, me deixa angustiado.

Eu fiquei sem palavras, ele se importava tanto comigo. Nós mal nos conhecíamos. Cada hora ao lado dele, me deixava excepcionalmente encantada.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Capitulo Quatro– Lembranças

- Eu disse algo de errado? – disse ele preocupado.
Eu não tinha forças pra responder, consegui reunir o pouco que me restava para balançar a cabeça em sinal de negativo. Eu estava desesperada, eu fizera tanta força pra esquecer tudo aquilo. Minha mente tentava inutilmente juntar lembranças melhores para encobrir esse buraco em meu peito, que parecia aumentar a cada batida do meu coração.
- Vou pegar uma água com açúcar, não saia daí, é serio. – ele disse se levantando instantaneamente.
Tentei me concentrar, fingir que não tinha me lembrado de nada. Mas o eco das palavras que ele dissera, fazia replay direto em minha cabeça.
- Toma e tenta se acalmar – disse ele me entregando o copo – E não precisa dar explicações, você parece mal de verdade.
Eu só conseguia balançar minha cabeça, tentei me acalmar, não queria passar a impressão de garota histérica que vive entrando em choque.
-Obrigada. – disse com o resto de força que me restava.
Ele sorriu de uma forma carinhosa e tranqüilizadora, e afagou meu rosto. Eu estremeci, sua pele era gélida e macia. Logo que ele reparou a minha reação, retirou sua mão num movimento rápido.
O sinal tocou e ele já estava de pé ao meu lado, com sua mão em meu ombro, meu casaco impedia o contato com sua pele. Mesmo com as pernas bambas, consegui levantar. Ele sorriu ainda preocupado.
- Vai querer assistir as próximas aulas? – disse ele com o rosto tornando-se serio.
- Sim, claro, realmente não estou a fim de me tornar a garota problemática da escola, que sempre arruma um motivo pra sair mais cedo. – disse falando mais comigo do que respondendo a pergunta. Fiz um enorme esforço, mas consegui sorrir, parecia ajudar a enterrar o desespero que eu entrara minutos atrás.
Voltamos para sala, um do lado do outro, parecia estranho a preocupação que ele demonstrara hoje por mim, ele não me conhecia a mais de 24 horas. Mas eu gostei disso, realmente gostei muito disso.
A sala estava praticamente cheia e todos os olhares se voltaram para mim e o ser angelical ao meu lado, não conseguia conter a minha vergonha, abaixei o rosto corando. Fui logo se sentar em meu lugar perto de Marina e ele se sentou ao grupinho de meninos que ele se juntara mais cedo.
As aulas passaram voando, talvez fosse o meu esforço para tentar esquecer tudo, o intervalo não foi nada especial, fiquei sentada com Marina, que estava ansiosa para me perguntar o que acontecera no tempo em que passei com Matt. Fiquei o tempo todo olhando para ele, tinha se tornado uma fixação apreciar sua beleza. Queria memorizar cada linha de sua expressão. O outro anjo, que as feições eram quase iguais a de Matt, passou o recreio inteiro de cabeça baixa, parecia estar dormindo a não ser por seu pé balançando em sinal de ansiedade. Os dois últimos tempos de historia, passaram tão rápido que nem notei os ponteiros passando, jurava que tinha se passado somente dois minutos, ao invés de duas horas.
O sinal tocou, peguei imediatamente a minha mochila queria ir embora dali, aquele dia estava se tornando cada vez mais imprevisível. Me despedi de Marina, o mais rápido possível, ela estava doida para me fazer perguntas, mas eu estava tentando esquecer o que acontecera mais cedo, contar os fatos, faria meu esforço em vão.
A caminhada até em casa foi tranqüila. O céu estava cada vez mais escuro, as nuvens estavam mais densas, não demoraria muito até começar a chover. A alguns metros de minha casa, notei a presença de alguém sentado no banco frente a minha casa. Era ele, o meu anjo, estava sentado com um sorriso perfeito. Tentei acalmar meu coração, foi em vão, mas de alguma forma arrumei forças para me aproximar dele. Minhas pernas se moveram cambaleantes, ao menos estavam se movendo, pelo menos eu não estava mais me tornando uma estatua quando estava perto dele. Não pude deixar de sorrir ao me aproximar.
- Anda me seguindo, é? – perguntei, me surpreendendo de como eu passara a conseguir fazer coisas normais perto dele, como andar, respirar e falar, era um bom avanço.
- Só queria ver se você estava bem, você ficou estranha lá no refeitório. – sua voz tinha um tom de preocupado.
- Eu to bem, obrigado por se preocupar.
- Por que você não senta aqui? – ele disse batendo no espaço vazio ao lado dele.
Não consegui hesitar, ele era impossível dizer não ao deus grego da beleza.
- Confesso que fiquei curioso do por que você agiu daquela forma, talvez você não queira me falar, eu juro que vou entender.
Eu fiquei em silencio por um breve tempo, minha cabeça a mil, passando e repassando aquela terrível lembrança, o pior dia de minha vida. Eu queria contar, queria desabafar, desde o dia que tudo aconteceu eu me calei, não conseguia narrar os fatos pra ninguém, o máximo que consegui fazer era responder com a cabeça as perguntas dos policiais. Fiquei meses sem sair de casa, eu estava em choque. Algo me dizia que podia confiar nele, no meu anjo, podia contar para ele, o que era estranho por que eu o conhecia tão pouco tempo.
- No verão retrasado – tomei coragem para contar, ele se moveu para ficar olho a olho para mim – eu fui passar umas semanas com a minha avó, ela tinha uma fazenda, ao norte, eu sempre passava as férias lá. Estava indo tudo bem, eu gostava muito de lá, de ficar olhando para as flores, para os cavalos.
- Anne se você não quiser fazer isso, eu vou entender.
Balancei a cabeça, eu queria continuar, as palavras que ficaram travadas em mim, por esses dois anos, queriam sair. Fechei os olhos tentando voltar ao lugar, ao dia em que tudo aconteceu.
- Três dias após a minha chegada lá, resolvi sair com o meu cavalo, Spirit, ele era negro, o mais lindo que eu já vira, ele foi meu desde o dia em que nasceu. Eu estava a poucos quilômetros da fazenda, numa clareira, que eu tinha descoberto uns anos atrás, quando ouvi um barulho vindo da fazenda, era alto e lembrava um grito rouco.
Uma lagrima involuntariamente escorreu por meu rosto. Mas eu tinha que continuar, precisava desabafar retirar do meu peito toda essa tristeza que me consumia há tempos.
- Eu corri com Spirit o mais rápido que eu conseguia. Perto da porta da fazenda, eu vi a agitação, uns cinco homens encapuzados me esperavam na porta, eu não conseguia fugir, quando dei meia volta com meu cavalo, mais três homens esperavam atrás. O Spirit ficou muito nervoso, ele não gostava de muita gente cercando-o, ele empinou, minha mão estava suada e não consegui segurar nas rédeas. Eu cai de costas, e bati minha cabeça no chão. A grama amorteceu a queda, mas mesmo assim fiquei muito tonta, e aos poucos minha mente foi apagando, me lembro de ver o Spirit ir correndo em direção ao mato.
“Depois disso, eu apaguei. Acordei quando tudo estava escuro, somente a lua iluminava o lado de fora da casa. Eu estava amarrada pelos punhos na cabeceira da cama, meus olhos demoraram a se acostumar com o breu. Uma luz se acendeu, e eu pude ver as dez figuras encapuzadas, eu não conseguia ver o rosto de nenhum deles.“
O anjo afagava minha mão, e seu rosto era um misto de preocupação e ansiedade. Eu forçava as lagrimas a não sair.
- Eu estava começando a ficar desesperada, não conseguia gritar, queria pedir ajuda, mas minha voz falhava. Até que um deles, o mais alto, se separou do pequeno grupo e veio em direção a mim. Eu me debatia em vão. Ele retirou o capuz, seu rosto era pálido e sem vida, seu cabelo de um loiro branco preso numa pequena trança. Suas feições eram perfeitas.
Olhei para o meu anjo, lembrando da semelhança entre ele e o ser que me ameaçara tanto naquele dia. Ele abaixou a cabeça, parecendo perceber a comparação que eu fazia em minha mente.
“Ele olhara para mim, com uma mistura de ódio e fascinação. Ele afagou meu rosto e eu pude sentir sua pele fria e macia. Ele começou a falar com uma voz rouca, mas musical.
- Você cresceu, seu pai ficaria orgulhoso. Minha Pequena Anne.”
Foi como se um choque tivesse atingido ele. Seu rosto agora desesperado.
- Ele, te chamou de Pequena Anne? – sua voz saiu aguda.
- Sim, por isso eu me lembrei de tudo hoje cedo, por que você me chamou da mesma forma.
- E como você conseguiu sair? – ele pareceu confuso.
- Bom a pior parte ainda está por vir. – eu respirei, tentando empurrar o nó em minha garganta.
“Ele estava me assustando, ele começou a cantar uma canção de ninar, que eu tive a impressão que já ouvira antes. Algo como:
Minha princesa durma, não quero ver você triste, seu sorriso me ilumina, você é meu Sol.
Era algo assim. Aquilo me deixara angustiada, até que ele começou a ficar com raiva, ele... ele, você pode me chamar de louca, mas, ele pegou um sofá e tacou na parede.”
Eu olhara para ver sua expressão esperando que fosse como a dos policiais, que falaram que foi algum tipo de alucinação o que eu tivera. Mas seu rosto agora se tornara inexpressivo.
- Ele começou a perguntar se eu achava que ele era tolo, que se toda aquela farsa podia enganá-lo. Ele me perguntou se eu achava que ele era fraco, se eu tinha medo dele.
“Eu não conseguia falar, eu estava muda e com medo. Ele a cada minuto ficava mais nervoso. Até que ele pegou a minha avó. Segurou-a pelos cabelos, e me perguntou novamente se achava ele tolo. Com muito esforço eu só conseguia mexer a cabeça. Ele pareceu ficar mais enraivecido. Eu não estava entendendo nada, parecia tudo um mal entendido. Minha avó estava desacordada nos braços dele, ele a sacudia sem parar. Foi quando ele pareceu ter uma idéia, ele olhou com ódio para minha avó em seus braços.”
As lagrimas escorriam sem parar, eu estava me descontrolando, ele continuava a afagar minha mão. Respirei fundo e continuei.
“Ficou tudo em silencio por um tempo, e ele chamou um dos homens, ele o chamara de Marcus, e pediu para dar conta de mim, e tudo depois ficou escuro. Meu pai que estava tentando ligar para lá, pelo dia inteiro, ficou preocupado, e foi lá ver se estava tudo bem, garanto que foi mais paranóia de minha mãe na cabeça dele. Ele me encontrou desacordada, amarrada na cama. Ligou imediatamente para policia. Eu fui levada para o hospital, fiz alguns exames que não deram em nada. E minha avó foi encontrada morta, perto dos estábulos.”
Parei de lutar contra as lagrimas, e elas escorreram sem cessar. Mas finalmente eu estava aliviada, tudo que estava preso em meu peito conseguira sair.
- Anne eu sinto muito. – ele disse por fim, eu não conseguia falar nada. - Eu preciso fazer uma ligação. Fique aqui não vou demorar.
Ele foi para um dois metros de mim, discara o numero tão rápido que eu não consegui seguir o movimento de seus dedos. Ele falou rápido com a pessoa do outro lado da linha, não consegui decifrar nada do que dissera.
- Anne eu tenho que ir.
- Obrigada por me ouvir, obrigada mesmo, eu precisava de alguma forma fazer isto sair de dentro de mim.
- Eu que te agradeço, obrigada por confiar em mim.
Inesperadamente, ele me abraçou, sua pele estava fria como de manha, eu me senti de alguma forma segura em meio aos seus braços.
- Posso te pedir uma coisa Anne, uma única coisa? – disse ele, usando um olhar implorativo impossível de resistir.
- Sim. – eu disse já quase ficando sem ar novamente.
- Se você precisar de qualquer ajuda, de qualquer coisa, ligue para esse numero – ele me entregou um papel – Por favor.
- Sim, eu prometo que irei ligar. – disse sorrindo ao perceber mais uma vez que ele se importava comigo.
- Obrigado, se cuida Anne. – disse com aquele sorriso perfeito.
- Você também. – disse por fim.
Atravessei a rua, e ele ficara lá, me esperando entrar. Seu rosto num perfeito sorriso, antes de abrir a porta eu olhei para ele mais uma vez, e se não tivesse sido tão rápido juraria que seu semblante de desespero voltara mais uma vez.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Capítulo Tres - Surpreendente

- Você está bem? – disse ele com a voz mais perfeita que eu já ouvira.
- Como? – minha mente trabalhava numa velocidade estrema, não conseguia entender nada, meu coração parecia que ia pular do lugar onde estava.
- Ontem, você desmaiou, eu fiquei preocupado. – ele disse com seu sorriso aumentando e demonstrando um pouco de vergonha ao falar aquelas palavras.
- A sim, o desmaio de ontem. Foi por falta de alimento, eu fiquei tonta e desmaiei. – eu disse com a respiração mais ofegante o possível. Minhas mãos estavam tremendo, e eu não tinha controle sobre elas.
- Então, tente se cuidar melhor Anne. – e ele saiu andando, e só parou pra dar uma olhadinha para trás, e saiu rindo.
Eu fiquei estática no meio do corredor, não sei se foi o fato bem estranho de ele se importar comigo, ou o fato de ter ouvido meu nome sendo pronunciado por aquela voz divina. Eu tinha perdido meus sentidos, esqueci de como andar, como fazer meu coração voltar à velocidade de batimento normal. Eu estava em estado de choque, com todas as letras.
O sinal tocou e o inspetor começou a expulsar os alunos que relutavam a ficar no corredor na expectativa de conseguir escapar das aulas. Eu me desliguei do transe em que eu estava, consegui de alguma forma lembrar como andar. Fui caminhando lentamente até a sala de aula, se eu visse de novo o rosto dele, era capaz de entrar em choque novamente.
Entrei na sala evitando olhar para frente, fixei meus olhos nos meus pés.
- Anne. – disse uma voz calorosa, reconheci como a da minha recente amiga Marina.
- Oi Marina. – disse forçando um sorriso.
Não consegui evitar olhar pra o lugar onde ontem o anjo se sentara, estava vazio. Fiquei meio surpresa e tentei procurar onde ele estava sentado, contrariando a mim mesma, não queria entrar em choque novamente. Mas não consegui me conter, o procurei. Ele estava sentado junto ao grupo de meninos que estavam falando de esportes ontem. Era claro que nenhum dos meninos sentados a sua volta, estavam à altura de sua beleza, era como água e vinho. Seu rosto tinha feições perfeitas, o cabelo mesmo bagunçado, ficava perfeito no seu rosto.
- Bom dia. – a professora entrara na sala roubando a minha atenção.
Foram poucos os alunos que retribuíram o Bom dia, Marina sorridente foi um deles.
A aula foi monótona, como toda aula de matemática sempre fora. Cálculos, e mais cálculos. Minha atenção não estava voltada para a professora que insistia em fazer todos da turma entender o porquê ela chegara num resultado tão absurdo, de uma conta completamente complicada. Minha atenção estava completamente voltada para o ser perfeito que se localizava a poucos metros de mim. Nossos olhares não se desligavam, pareciam estar ligados a uma linha invisível.
O sinal bateu e agora era tempo livre, eu estava pensando em utilizá-lo para pegar a matéria de biologia que eu perdi ontem por conta do desmaio. Marina já estava na porta da sala me apressando para sair.
- Anne. – ouvi meu nome pronunciado pela voz perfeita novamente.
No instante em que ouvi, jurava que era eco de minha lembrança recente, achei que minha cabeça estava ligando um replay involuntário. Reuni forças pra me virar, e mais uma vez ele estava tão perto de mim, tão perto que eu conseguia sentir seu cheiro. Respirei fundo para tentar registrar a fragrância em minha mente.
- O que foi? – soou meio estúpido, mas naquele momento, a única parte de mim que eu sentia funcionando, era meu coração que insistia em querer sair de meu peito.
- Hm, podemos passar o tempo livre juntos? – ele disse com um jeito tímido, com um sorriso perfeito aparecendo em seu rosto.
- Como? – agora eu tinha entrado em choque de vez, deveria estar ouvindo coisas.
- Se você não quiser, eu vou entender. – disse ele com um ar decepcionado.
- Não, eu... Bem, passo o tempo com você. – disse tentando fazer minha mente entender o que parecia impossível.
O sorriso dele transpassou toda a sua satisfação. Marina na porta estava de boca aberta, logo entendeu que eu não passaria o tempo com ela. Com um sorriso meio surpreso no rosto, Marina fez um sinal de aprovação bem discreto pelo canto e saiu rindo bem alto. Não tive como não rir, e pelo visto não fora só eu que notei o gesto, ele estava rindo musicalmente. Ele fez um gesto com a cabeça para que eu o acompanha-se.
Continuamos andando no mesmo ritmo até chegarmos à porta do refeitório do segundo andar, estava vazio a não ser por duas meninas lá na sala, lendo um livro no canto norte, sentamos em um canto mais reservado do salão, meu coração nesse momento, tinha assumido como se fosse normal um ritmo frenético.
- Tente se acalmar, não mordo não. – ele riu sem muito humor, como se houvesse alguma coisa que eu tivera perdido na frase, uma piada interna talvez.
Eu me senti arrepiar e me encolhi automaticamente. Ele pareceu notar o pequeno gesto, e olhou com uma expressão indecifrável.
- Desculpe, deve ser estranho, eu... Eu prometo que vai ser a ultima vez que eu te perturbo, na verdade se quiser ir embora, eu juro que vou...
- Não, não. Eu estou bem, só estou um pouco... Surpresa. – disse o interrompendo.
- Eu realmente te entendo Anne. Não quero você assustada.
- Não estou assustada, repito que estou surpresa.
Ele sorriu, ficamos um tempo em silencio, olhando um nos olhos do outro. Eu me perdi dentro do seu olhar, era enigmático, me fascinava. Ao mesmo tempo queria entender o que estava fazendo ali, eu tão sem graça e ele tão perfeito. Únicas semelhanças que nos unia eram a palidez e as olheiras, mas mesmo assim, ele conseguia me superar, a pele dele parecia ter sido feita do mais fino veludo, não consegui ver nenhuma imperfeição em seu rosto angelical.
- E então, por que estamos aqui? – tomei coragem para falar.
- Paciência é uma virtude sabia? – disse ele com seu sorriso perfeito.
- Uma virtude que infelizmente eu não possuo. – disse abaixando a cabeça, não era de o meu feitio agir dessa forma, grosseiramente, mas queria entender o motivo de estar ali.
- Tenha calma pequena Anne. – foi como escapasse por sua boca dele, como se fosse normal me chamar assim. Pequena Anne soou tão intimo. Meu coração que começara a se acalmar começou com seu ritmo intenso novamente, Pequena Anne. Alguém me chamara assim uma vez, eu tinha certeza. Lembrei-me claramente, não tinha como eu me esquecer desse dia, a lembrança me fez tremer, abracei meus joelhos para me sentir mais segura. E o anjo sentado em minha frente, me olhava angustiado.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Capitulo Dois - Rotina

Eu não tinha certeza onde exatamente eu estava. Tinha consciência de que estava deitada e que alguém falava comigo, mas não sabia ao certo quem era. Até que um cheiro forte me tomou, parecia álcool, foi uma reação automática levantar. Sentei-me meio zonza, no que me parecia uma maca.
- Anne, graças a Deus! Fiquei preocupada.
Percebi então, onde estava, era uma enfermaria, as paredes eram azul claro e branca, além da maca onde eu estava sentada, duas poltronas, um armário de remédios e uma mesa de madeira clara, eram a mobília da pequena sala. Uma senhora de cabelos loiros e olhar calmo estava ao meu lado segurando um algodão que me parecia à fonte do tal cheiro.
- O que aconteceu? – minha voz saiu rouca e sem vida.
- Não sei, você estava pálida olhando para o nada e pronto, desmaiou. – Marina dizia as palavras com tanta rapidez que demorei a entender.
- Não lembro quase nada. Só do escuro. – eu tava confusa, minha mente estava embaralhada
- Você está melhor querida? – uma voz suave me perguntou.
- Sim, sim. Só um pouco tonta por causa do cheiro. – disse, ainda confusa.
- Vou te liberar das próximas aulas, você pode ir para casa. Mas da próxima vez coma alguma coisa, o desmaio pode ter sido por estomago vazio.
- Claro. –eu estava muito tonta para tentar entender alguma coisa.
- E você querida, pode voltar para a sala.
Marina olhou de cara feia, mas assentiu e saiu da pequena sala, não sem antes me desejar melhoras. Liguei para minha mãe para ela vir me buscar, mas ela já tinha ido trabalhar. Fui andando devagar até em casa, e tomando muito cuidado com as calçadas ainda úmidas. Minha cabeça ia longe, tentando encontrar o lugar de onde eu vira aquele rosto. Vasculhava sem sucesso todas as minhas memórias. Entre o trajeto até minha casa, tive a ligeira impressão que estava sendo seguida, eu olhava para trás, mas além de uma mulher com uma criança no colo e mim, não havia mais ninguém na rua.
Eu estava na porta de entrada, procurando a chave na bagunça que é a minha mochila, quando notei a presença de mais alguém na minha rua. Eram eles, os anjos da minha escola, estavam na frente da minha casa, sentados em um banco perto da arvore que costumava ter um balanço quando eu era criança. Tentei não olhar fixamente para os dois que me encaravam sem disfarçar. Consegui encontrar a minha chave, e entrei em casa rapidamente, procurei a janela perto da entrada para espiá-los, quando olhei, eles são estavam mais ali, e não havia nenhum sinal deles na rua.
- Você ta ficando maluca Anne, vendo coisas é a primeira etapa. – falei me advertindo em voz alta.
Fiz um lanche rápido, já era quase meio dia. Comi assistindo TV, coisa que se minha mãe estivesse aqui nunca me deixaria fazer. Desde pequena ela fora assim, cuidadosa com tudo que se referisse a mim, comer ela sempre falava que era uma hora de concentração, comer vendo TV terminava com tudo, eu achava engraçado essa preocupação, mas para menos problemas preferiria ouvi-la. Já meu pai era mais largado em relação a esses cuidados, ele sempre deixara fazer tudo o que eu queria, principalmente quando estava na vovó, minha mãe nem poderia imaginar que eu pulava em rios e escalava arvores.
E então cochilei, tive um sonho que misturava os anjos, com uma correria como na ultima noite. Mas dessa vez, era eu mesma correndo, sentia-me sem fôlego e minhas pernas estavam cansadas, com certeza não era o corpo forte e rápido na noite anterior. Estava frio, e novamente eu não sabia por que de estar correndo, eles estavam ao meu lado, eles corriam, mas não pareciam nem um pouco cansados como eu estava, seus rostos perfeitos continuavam sem expressão. Então eu cai, meu corpo não respondia aos meus comandos, eu estava exausta.
- Anne, meu amor, você está bem? – a voz doce de minha mãe me acordara.
- Que horas são? – perguntei desnorteada.
- 10 da noite meu amor. Vamos comer alguma coisa, e você vai dormir. – disse ela carinhosamente.
Comi com movimentos robóticos, mastigar, mastigar. Subi as escadas com os olhos quase se fechando, escovei meus dentes e fui para a cama. Dessa vez, a noite foi sem sonhos.
De manha, acordei mais cedo do que o comum, o despertador ainda nem havia tocado e eu já estava de pé. Aproveitei esse tempo extra, pra pensar, sentei no parapeito na janela, olhando a rua, que ainda estava sem vida, pelo que percebi o Sol hoje foi dado por vencido e as nuvens escuras comandavam o céu. Fiquei um tempo olhando para o banco onde tive a certeza de que vira os dois anjos. Não me dando por vencida, revirei minha mente a procura de uma lembrança vaga que fosse, mas nada.
Resolvi então tomar banho.
No banheiro, em frente ao espelho reparei na existência de uma marca em meu pescoço, ela não estava ali antes, tinha toda a certeza. Era vermelha e coçava irritantemente. Fiquei um pouco angustiada com a sensação incomoda que ela me causava, deveria ser alguma alergia.
Saindo do banho, fui escolher a roupa para usar, realmente não era uma coisa que eu gostava. Além de achar meu corpo sem graça, era magra demais, branca demais, tinha olheiras demais, e meu cabelo era preto e liso demais. Tudo era demais em mim, não me sentia bem com isso, e ultimamente andava reparando que parecia mais pálida, talvez estivesse com algum tipo de anemia, o que era meio estranho por que me sentia às vezes mais forte que o comum. Peguei a primeira roupa que vi, uma blusa verde de gola, pra esconder essa marca estranha no meu pescoço, se a mamãe visse, não aposto nada que ela me levaria correndo para o hospital fazendo escândalos pelo caminho.
- Bom dia mãe – disse descendo as escadas em direção a cozinha. Meu pai estava lá já lendo uma revista de medicina.
- Princesa - mesmo com quinze anos meu pai continuava com esse apelido de criança. Eu achava meio infantil, mas não tinha coragem o suficiente para falar isso para ele.
- Pai – fui abraçá-lo, desde que ele ganhou uma promoção no hospital onde trabalhava, ele não parava em casa, eram convenções, palestras, sentia muita falta dele.
- Pode me levar na escola hoje? – falei de boca cheia. Minha mãe já me dera um olhar me restringindo.
- Claro. Agente só tem que correr. Tenho uma palestra daqui a meia hora.
- Certo – disse satisfeita.
O percurso até a escola feito de carro, não era demorado, no máximo 5 minutos. Cheguei cedo demais, a escola ainda estava vazia, e estava fazendo muito frio. Resolvi ir até a secretaria pegar um armário disponível para guardar os livros, tinha programado fazer isso ontem, mas o desmaio não estava na minha lista de atividades para o dia.
A secretaria estava dessa vez, completamente vazia. A mesma senhora que me entregara os horários ontem, estava lá, mexendo em uma prateleira lotada de pastas.
- Bom dia, é com a senhora que faz a reserva de armários?
- Sim. Deixe-me pegar a lista aqui. – disse ela sorridente.
Não havia muitos armários disponíveis, não sabia mesmo qual escolher, peguei um numero aleatório, e a simpática senhora me entregara a chave com um imenso sorriso, e me desejando boa sorte.
O corredor agora começava a encher por pessoas solitárias mexendo em seus armários, ou por pequenos grupos de pessoas, duas delas eu reconheci como sendo do grupo de garotas da minha sala, elas estavam arrumando seus armários. Resolvi fazer o mesmo, minha mochila estava pesada, e alguns livros não tinham necessidade de estar ali. Procurei a fila de armários B, numero 19. Ficava bem no meio do corredor que tava para a nossa sala. A chave demorou a entrar e a porta parecia estar um pouco emperrada. Fiz uma anotação em minha mente de lembrar-se de reclamar sobre isso na direção. Coloquei parte dos meus livros dentro do armário, deixei somente os dois que iríamos utilizar hoje: História e Matemática.
Caminhei lentamente para a sala de aula, não estava com a mínima vontade de assistir os dois tempos de matemática seguidos. Até que ouvi alguém chamar o meu nome, era uma voz angelical e perfeita. Parei imediatamente, mas não me virei para o lado de aonde viera o som da voz. Então ouvi de novo a mesma voz pronunciando meu nome. Me virei, e ele estava lá, tão perto de mim, seu olhar prendia o meu como um imã, quando vi brotar no canto da sua boca um sorriso.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Capitulo Um - Recomeço

Eu corria sem parar, perseguia alguém que não conhecia, meu ódio e minha vontade de terminar com aquilo pareciam aumentar a cada instante. As casas passavam ao meu lado como se fossem borrões, eu corria a toda velocidade, mas não me sentia cansada. Aquele corpo não era meu, eu tinha certeza. Eu não tinha a capacidade de comandá-lo, não conseguia parar. O ódio rompia em meu peito. Eu tentava entender tudo, porém a vontade de matar aquele a quem eu perseguia parecia me tomar por inteira. Eu já tinha vivido esse sonho, em um lugar diferente, mas sentia que o motivo pelo qual eu corria, o motivo pelo qual eu desejava matar era o mesmo. Ele caiu na isca, e estava perdido. O homem desconhecido ficou sem saída e se virou para me encarar.
- Por favor, eu juro que não sei de nada. – sua voz suplicante quebrara o silencio da noite.
- Você sabe até demais. – A voz que estourava eu meu peito era rouca e sem piedade.
- Por favor, por favor.
Um rosnado saiu do meu peito, e eu o ataquei.

O despertador tocou. Mais um dia começava, não era a primeira vez (tinha quase certeza que não era a ultima) que eu tivera um pesadelo como esse, nem me atormentava mais. Eles se tornaram mais freqüentes de um tempo para cá, antigamente eles me deixavam preocupada, pareciam reais demais para serem apenas pesadelos. Com o tempo, acabei me acostumando e deixando minhas paranóias para trás.
Levantei da cama em um pulo só. O sol entrava pela janela, fazendo as folhas que estavam caídas no chão, tomarem um tom acobreado. Nessa cidade de 10 mil habitantes, as estações eram bem marcadas com suas características, verão: quente, primavera: flores brotando em todos os cantos, outono: ruas cheias de folhas das arvores e inverno: com a neve fazendo tudo ficar branco como glacê.
Fui tomar banho, o aquecedor demorou a fazer sua tarefa, enquanto isso, fiquei mexendo nos mini sabonetes da mamãe. Desde pequena, eu gostei deles, mamãe tinha uma coleção imensa, desde golfinhos, luas e estrelas, a laços e gatinhos. Quando a água já estava na temperatura ideal, entrei no chuveiro. Minha cabeça foi alto enquanto tomava banho, era o primeiro dia de aula, primeiro dia na escola secundaria, as coisas certamente mudariam. Tenho que me dedicar mais, mentalizei por um bom tempo. Saindo do banho, fui para o quarto, nunca fui boa em escolher roupas, mas era o primeiro dia de aula, eu tinha que caprichar. Peguei minha blusa preferida, uma azul com uns detalhes em marfim, um jeans e botas, mesmo sabendo que o sol resolveu aparecer, o clima continuava frio. Peguei um casaco e desci. Mamãe estava me esperando com um copo de leite e uma tigela de cereal.
- Bom dia Anne - disse ela com um sorriso no rosto.
- Bom dia mãe. – sentei para comer o mais rápido que pude – Cadê o pai? – perguntei ao sentir a ausência dele.
- Saiu cedo, o chamaram para uma reunião de emergência.
- Hum... – tentei esconder minha frustração, já que a minha carona até a escola se fora.
- Animada?
- Um pouco – falei levantando e pegando a mochila, o colégio não era muito longe, uns 15 minutos a pé, mas estava planejando chegar mais cedo, para pegar os horários, e sem minha carona, eu precisava realmente correr.
A caminhada foi tranqüila, havia chovido noite passada, o que exigia o dobro de cuidado, já que as calçadas estavam excepcionalmente escorregadias. E lá estava ela, a Escola Secundária de Foester, na verdade um conjunto de prédios pré-históricos com a pintura gasta. Não demorei muito para encontrar a secretaria, que estava praticamente vazia, a não ser por uns três alunos, que aparentavam ser calouros como eu, que tiveram a mesma idéia de chegar mais cedo. No balcão, uma senhora, estava fazendo anotações, e foi a ela que eu pedi os meus horários.
- Bom dia, é com a senhora que é pra pegar os horários?
- Sim querida; seu nome e ano?
- Anne Malakia, primeiro ano.
- Aqui está querida, seu horário é o marcado de vermelho. – disse ela me entregando um papel cheio de observações.
- Obrigada – Espanhol, Matemática e Biologia eram os meus tempos de hoje.
Os corredores ainda estavam vazios a não ser por uns alunos colando alguns papeis no mural, alguns diziam: “Clube de Xadrez” e outros “ Teste para time de basquete” . Isso realmente não era pra mim, xadrez precisava de atenção, basquete de mira, duas coisas que realmente não existiam no meu vocabulário.
Decidi então, ir logo pra minha sala, escolher a carteira ideal talvez fosse um privilégio que mais tarde com a sala lotada eu não teria. Peguei o horário para confirmar a sala. Sala três.
Olhei para os lados procurando um sinal de perto de que sala eu me localizava. Droga, sala 16.
Olhei para o relógio, ainda faltava 20 minutos para o sinal tocar. Os corredores estavam mais cheios de rostos desconhecidos. Eu tinha feito a mim mesma uma promessa, e precisava cumprir: Tente ser mais sociável Anne, mas era uma coisa excepcionalmente difícil para mim. Em todo o meu colegial, eu passei com poucos amigos, na verdade só uma amiga que eu considerava de verdade, Laura, mas infelizmente ela estava a quilômetros de mim agora, graças à transferência do pai dela. Ia ser complicado sem ela, eu podia ter certeza que ela era uma das poucas pessoas do mundo que conseguia me entender.
A sala três não estava vazia, parecia até o lugar mais cheio da escola, um grupo de cinco garotas cochichavam sem parar no final da sala, outro grupo de garotos estavam na frente da sala, falando pelo que me pareceu de futebol. Eu reconheci um deles, Alex Still, ele era da minha sala ano passado, mas nunca trocara uma palavra com ele. Os outros presentes dentro da sala estavam mais deslocados. Tente ser mais sociável Anne, ao menos tente. Eu olhei para todos tentando “escolher” a vitima para minha tentativa de socialização. Tinha uma menina, magra, de cabelos claros e óculos, ela me parecia uma pessoa que eu podia lidar. Tente Anne. Eu me sentei, busquei na minha cabeça as palavras certas para começar.
- Sala legal não é? – Idiota quem começa com sala legal?
- Prazer meu nome Marina. – ela disse com um sorriso no rosto. Ela não sabia o quanto eu estava grata de ela ter facilitado as coisas dessa forma, pulando direto pra o: Prazer, eu sou fulana de tal.
- Prazer, eu sou Anne.
Sentei ao na carteira a sua frente, me sentindo mais animada por ter conseguido pelo menos uma companhia. Eu ia tentar puxar um assunto, aproveitando a onda de coragem que me tomava, quando o barulho da conversa dos demais grupinhos se cessou, fazendo com que a sala ficasse em silencio. Olhei em direção a porta automaticamente, esperando ver o motivo da interrupção. E lá estava. Um motivo perfeito por sinal. Um garoto, com cabelos castanhos e olhos verdes tão claros que beiravam o branco. Eu me desliguei do mundo naquele instante. Fiquei completamente hipnotizada por sua beleza.
- Bom dia alunos, meu nome é Sr. Stuart. Eu vou dar aula de espanhol para vocês esse ano.
E como se fosse um clique, eu voltei para a realidade. Eu poderia odiar o professor por ter me desligado daquele instante tão perfeito. Com um sorriso maravilhoso, o tal garoto sentou-se duas carteiras atrás da minha, pelo o que reparei não era só eu que tinha entrado em estado hipnótico quando ele entrara na sala.
- Vamos fazer assim, começando pela fila da direita, diga o seu nome. Começando por você. – ele apontou para o Alex. E as apresentações começaram. Retirando o que eu pensei, eu não iria odiar o tal professor, saber o nome daquele anjo talvez fosse essencial.
- Matt Rider. – ele disse, com uma voz perfeita, parecia musica. Então esse era o nome daquela criatura tão perfeita.
A aula passou rápido, nada de novo, somente revisões. A aula de matemática também passou da mesma forma, tivemos de novo as apresentações e eu me senti estremecer ao ouvir mais uma vez seu nome e sua voz, eu estava grata a professora. Eu me recusara a olhar para trás, com medo de não conseguir voltar a realidade.
O sinal tocou, era à hora do intervalo. Marina e eu fomos em silencio para o refeitório. Já na fila da lanchonete, pedi apenas um refresco, não estava com a mínima fome. Marina fez o mesmo. Ao me sentar, meus olhos foram procurando o tal garoto. Até que me deparei com um olhar que vinha para mim. Tentei identificar o rosto que pertencia àqueles olhos. Seu rosto era conhecido, mas distante, a sensação foi estranha. Eu o conhecia, mas ao mesmo tempo não. Era um rapaz bonito, de cabelos escuros e olhos da mesma cor do anjo da minha classe. Ele era extremamente bonito também. Aparentava ter uns 17 anos. Seus olhos não desligavam de mim, nem eu conseguia me desligar dele. Eu vasculhava a minha memória para todos os eventos do trabalho do papai que eu fui, para todas as viagens, mas nada. Eu tinha vontade de levantar e perguntar a ele se o conhecia, se ele já estivera alguma vez comigo. Depois de alguns instantes que reparei a companhia dele, era o anjo da minha sala. Eu fiquei confusa e tonta, os dois estavam olhando para mim. Então, Matt murmurou algo para o tal garoto, ele desviou o olhar. Começaram a falar, mas estava longe demais para entender. Pareciam estar discutindo. Comecei a me sentir tonta. Quem eram eles? De onde eu conhecia o tal garoto? Minha mente voava sem parar. Até que tudo ficou escuro.