sábado, 6 de março de 2010

Capitulo Vinte e Dois - Decisões

Sua camisa ainda estava aberta expondo aquela horrível cicatriz. Eu tentava não olhar para ela, inutilmente por sinal. Seu cabelo estava desarrumado e embaraçado em varias partes. Ele parecia exausto e varias olheiras provavam isso.
Ele sorriu assim que me viu.
- Anne... – eu gostava quando ele falava meu nome desse jeito que misturada ternura com devoção.
Eu apressei meus passos em sua direção. Sentei ao seu lado afagando seu rosto.
- Eu senti sua falta. – disse ele beijando a palma da minha mão, fazendo cócegas.
- Eu também.
Depois de vários minutos com meu olhar preso nele, eu olhei em volta. Estávamos em uma cozinha realmente grande e impecavelmente limpa. O local estava praticamente vazio a não ser por nós dois e um homem cozinhando a poucos metros de nós. O cheiro estava maravilhoso e isso só me fez sentir mais fome. Ele tirou algo do forno e trouxe na minha direção, colocando um prato na minha frente e logo em seguida saindo pela porta dupla que a pouco eu havia entrado.
Eu olhei do prato para Matt e de Matt para o prato tentando escolher uma prioridade. Fazia algum tempo que eu não ficava a sós com ele e comer podia ser... Ele interrompeu meus pensamentos.
- Coma. Sem mais.
Não sei se era minha fome ou a necessidade de acabar logo de comer que me fez comer tão rapidamente. Matt ficou me olhando o tempo todo. E logo depois de terminar e o encarei. Ficamos um bom tempo assim. Duas horas? Dois minutos? Eu perdia a noção do tempo quando ficava ao lado dele. Mas a parte boa, era que minha mente perdia o fio dos pensamentos ruins. Era um conforto ficar ali.
Meu olhar caiu novamente para sua cicatriz horrenda. Meu cabelo da nuca se arrepiou e minhas mãos foram diretamente para sua camisa fechando os botões.
- Dá pra esconder isso. – acrescentei.
Eu estava prestes a fechar o ultimo botão quando ele me puxou mais para perto, quebrando o espaço entre a gente. Eu podia sentir o frio de sua pele.
Ele me beijou delicadamente. E eu retribui o beijo sentindo seus lábios frios no meu. Ele passou as mãos pelo meu cabelo e as descansou ali. Minha respiração começou a ficar ofegante e ele se afastou um pouco.
Eu encostei minha cabeça no seu peito, esperando ouvir suas batidas do coração. Silencio. Aquilo de certa forma me surpreendeu e eu o encarei, ainda perplexa. Ele me olhava confuso.
- Seu coração... – eu fiquei incapaz de terminar a frase, mas ele pareceu entender o que eu queria dizer.
- Não bate desde que eu entrei nessas condições.
Eu engoli devagar essas palavras.
- Então... Então por que você respira? – eu já escutara a respiração tanto dele, quanto de Sam.
- Força do habito.
Outra pausa. Eu o abracei novamente.
- Matt?
- Sim. – sua voz curiosa.
- Será que as coisas vão dar certo alguma hora?
- Queria poder te responder.

Ficamos um bom tempo ali. Daquele jeito, até que meus músculos começaram a doer e Matt propôs que déssemos uma volta em algum lugar.
- Você tem alguma casa da arvore escondida aqui também? – brinquei.
Ele sorriu balançando a cabeça.
- Não. Porem aqui tem lugares mais interessantes a ir. A cavalo por exemplo.
- Cavalo? – eu podia sentir meu rosto iluminar com essa palavra. Cavalos. Minha paixão desde pequena. Única coisa que eu não era desajeitada o bastante para não conseguir fazer. Um leve arrepio passou por mim ao lembrar da ultima vez que eu estive em cima de um cavalo. Procurei abafar a lembrança o mais rápido possível.
- Amanha. Acho que Sam não se importaria se déssemos uma volta dentro da propriedade. Ou melhor, acho que ele se importaria. – ele pontuou a ultima frase com uma pitada de sarcasmo.
- Oh, eu tenho certeza que ele se importaria.
Matt me levou em direção a porta de entrada. Mas antes que saíssemos pela porta, ele me puxou em direção a escada. Eu o encarei confusa.
- É melhor pegarmos um agasalho pra você. A temperatura está caindo e provavelmente fará bastante frio mais tarde. – ele fez uma pausa – Não estamos mais em Foester, Anne.
Pensando bem, a ficha não havia caído totalmente.
- Mas parece que um pedaço de Foester não quis me deixar. – disse amargamente.
Matt fez uma careta e continuou a andar.
- Ele parece que não vai aceitar isso tudo muito bem. – entendi ‘ele’, por Alex.
- Ele parecia calmo quando conversamos.
- Calmo?
- Bem, calmo dentro das condições. Não é qualquer um que descobre que vocês existem e começa a abraçar e beijar um de cara. – brinquei.
Matt não parecia ver humor nisso. Encerrei o assunto e continuei a caminhar. O corredor estava vazio e eu já havia decorado boa parte do caminho até meu quarto, me guiando através das pinturas e estatuas exóticas. Preferi usar o termo exótico ao invés de bizarro, soava mais sutil.
Eu me apressei indo direto ao meu closet. Estava prestes a abrir a porta, quando ouvi Matt falar.
- É incrível a semelhança entre vocês duas.
Hesitante, me virei em direção a Matt. Eu não precisava dos dons de Sam ou Eve pra saber do que Matt estava falando. Ele encarava o quadro da parede com uma grande curiosidade.
Eu sorri e fui logo procurar um casaco usável.
Matt me levou para o lado de fora e vários olhares acompanharam a nossa pequena caminhada até um banco mais afastado de tudo. Pensei no que Sam havia dito de eu virar o centro das atenções e tentei parecer o mais natural possível.
- Eu gosto dessa atenção, do mesmo jeito que você gosta dela. – disse Matt sentando. Ele fez uma careta e me puxou para o seu lado.
- Eu tenho que aprender a lidar com ela. – disse tanto pra mim quanto pra ele.
Ele sorriu passando as mãos pelos meus ombros. Eu fiquei um tempo observando todos ali. Alguns resolveram continuar a fazer o que estavam fazendo antes de passarmos outros continuavam com os olhares fixos em mim e às vezes faziam algum comentário com alguém do lado. Indiferente a qualquer coisa estavam àqueles três que eu observei de manha.
- Quem são aqueles três? – perguntei a Matt. Eu podia imaginar que eles eram humanos por sua aparência.
- Ah... – ele cerrou os olhos – Gian, Iuri e Luke. Mas eu prefiro chamar eles de ‘bando de idiotas’. – mesmo com a expressão amarga, Matt me deu um breve sorriso.
Eu aguardei que ele explicasse o por que daquilo. Ele simplesmente deu nos ombros e falou rispidamente.
- Nunca nos demos bem.
Eu me contentei com aquela resposta. Algo dentro de mim soava como uma antipatia por eles. Continuei quieta, olhando para todos e dando um breve sorriso pra quem respondia meu olhar com um. Notei que a quantidade de vampiros era bem maior do que vampiras. E eram muitos, muitos mesmo. Eu me sentia como em um bastidor de algum desfile de moda com modelos excessivamente lindos. O que era difícil de se acostumar era a falta de roupas. Vampiros sem camisa passavam de um lado por outro na minha frente, e vampiras usavam em sua maioria um top de tecido fino. Eu mesmo usando um casaco estava começando a sentir realmente frio. Uma brisa gelada raspava em meu rosto.
Eu me encolhi e me aproximei mais de Matt.
- Eu disse que estaria frio. – ele começou a desabotoar a camisa e eu o parei.
- Você tem sérios problemas em deixar essa droga fechada? – disse forjando uma cara de raiva que não foi convincente.
Ele deu aquele sorriso deslumbrante que fazia meu coração parar. Ele se aproximou lentamente de mim, quebrando o pouco espaço que nos separava e encostou seus lábios no meu de uma forma delicada. Ele sorriu ainda mais deliciado quando se afastou alguns poucos centímetros.
- Bom, agora sim estamos dando o que falar.
Eu olhei rapidamente para onde todos estavam parados anteriormente e bom, lembram daqueles poucos que tinham resolvido me deixar de lado e retomar o que estavam fazendo? Agora eles haviam resolvido voltar a me olhar. Eu sentei rapidamente e sentindo meu rosto formigar.
Desviei rapidamente meu olhar dos meus joelhos e olhei para Matt que estava com aquele cara de ‘Tanto faz essas caras de OOOH’. Eu não tinha coragem de olhar para frente. Foi quando eu ouvi uma gargalhada vinda de não muito longe. Senti Matt se mexendo desconfortavelmente do meu lado.
Isso me forçou a fazer o que eu menos queria, que era olhar para frente. E assim que fiz, uma onda de surpresa me atingiu.
Aqueles três, os humanos daqui, estavam vindo em nossa direção. Um dos morenos estava poucos passos a frente dos outros. Todos possuíam um ar arrogante e presunçoso e eu não gostei nada disso.
Em um piscar de olhos Matt se moveu daquela forma não natural parando poucos metros a minha frente barrando a passagem dos três. O moreno alto se afastou um pouco quando viu a reação dele.
- Oh, vai com calma camarada. – sua voz acompanhava sua aparência. Arrogância demais pra uma pessoa só. Argh.
- Eu não sou seu camarada. – o tom que Matt falou me fez lembrar aquela noite horrorosa na outra casa. Um arrepio passou pela minha espinha.
- Vai ficar na minha frente? Tem certeza? Tenho coisas mais uteis a fazer se você quer saber.
Aquilo não ia dar certo. Eu podia sentir algo em mim me alertando sobre isso. Ignorei os olhares afiados e andei em direção a eles. Matt não pareceu gostar nada disso, ao contrario daquele idiota que sorria ainda mais. Eu parei um pouco atrás de Matt.
- A que devo a honra vossa majestade? – eu podia notar o sarcasmo em sua voz e as risadinhas dos outros só confirmaram isso.
Ao invés de responder eu o encarei, estudando-o. Ele era alguns centímetros mais alto que Matt, mas era visivelmente mais magro que ele. Ele era branco como muitos aqui, mas a diferença era o leve rosado em seu rosto. Ele não era de maneira nenhuma feio, mas ele parecia doente. Sua magreza parecia um pouco além do normal, seu rosto estava magro e as maçãs do rosto estavam salientes. Seus olhos eram de um castanho intenso que me fez perder um pouco a concentração. Seu cabelo era praticamente da mesma cor e estava propositalmente desarrumado causando um ar mais rebelde.
Meu olhar caiu em seu pescoço que parecia levemente irritado. Eu levei minhas mãos automaticamente ao meu passando a mão levemente onde antes estava irritado. Ainda se sentia uma leve ardência.
Ele esperava uma resposta minha, mas eu permanecia quieta tentando parecer indiferente a sua provocação. Mas ele não parecia se ofender com meu silencio, pelo contrario.
- Desculpe-me... Esqueci de me apresentar. Sou Luke Miazzi, mas agradeço se me chamar somente de Luke. – ele fez uma pequena referencia e estendeu a mão para mim. Eu o ignorei mais uma vez e dessa vez consegui uma breve expressão carrancuda.
- Sou Anne... – um pensamento estranho passou pela minha cabeça, qual seria meu sobrenome agora? – Bom, somente Anne. – sorri para ele tentando parecer tão debochada quanto ele parecia ser.
Ele pareceu gostar daquilo e se virou para Matt que o encarava de cara feia.
- Sammyzinho já sabe que vocês dois estão juntos?
Matt rosnou entre os dentes mas Luke nem se abalou com isso. Eu não esperei que Matt respondesse e sai de onde eu estava me metendo na frente dos dois. Eu cruzei meus braços e franzi meu cenho o encarando nos olhos (bem tentando, eu era pelo menos uns 15 centímetros mais baixa que ele).
- Meu irmão – ênfase a essas palavras – sabe de tudo desde o começo. Algum problema? – minha voz saiu ríspida e furiosa e ele recuou um pouco aumentando o espaço entre nós.
- Pobre Sam, foi-se tempo que ele era mais firme. Antigamente ele odiava esse idiota e agora ele deixa sua preciosa irmãzinha de amasso com ele? Agora concordo plenamente com aqueles que dizem que precisamos de um líder mais forte e convicto com suas idéias.
Matt rosnou mais uma vez e fez menção de avançar, mas eu descruzei meus braços e o forcei a ficar onde ele estava. Seu corpo estava tenso e eu desejei internamente que eu não fosse forte o bastante pra o conter ali e ele partisse para cima desse babaca. Mas eu não queria meter ele no meio. Eu podia lidar com isso sozinha. Eu acho.
- O que eu faço, o que Matt faz, ou o que Sam pensa ou deixa de pensar não é da sua conta creio eu. A pouco você disse que tinha coisas melhores a fazer, pois bem, as faça. – disse firmemente.
Eu consegui desbancar seu sorriso presunçoso mais uma vez e dessa vez ele não retornou. Agora uma expressão amarga destacava-se em seu rosto. Ele chegou mais pra perto e começou a falar tão baixo que eu quase não entendi. Eu podia sentir Matt tenso atrás de mim, eu segurava suas mãos que estavam fechadas.
- Tome cuidado com o que você diz e pra quem você diz Anne. Você é nova aqui, provavelmente você não sabe quem dita às regras.
Ele se virou sorrindo novamente e saiu em direção a casa. Eu o encarei até que ele saísse de vista. A platéia aumentara consideravelmente e tenho certeza que eu já havia dado assunto o bastante para eles falarem.
Eu olhei para o céu reparando no tom vermelho que ele possuía nesse instante. Eu não havia notado o quão tarde já era.
Matt parecia mais relaxado e agora estava com os dedos cruzados aos meus. Eu me virei esperando uma feição carrancuda, mas ele me olhava divertido.
- O que foi?
- Nunca vi esse babaca tão desajeitado como você o deixou. – disse ele mostrando claramente seu divertimento em sua voz.
Eu cerrei meus olhos e segurei sua mão mais firme.
- Vamos lá pra dentro.

A lareira crepitava baixinho enquanto algumas fagulhas pulavam pra fora e dissolviam antes de chegar ao tapete. A temperatura agora agradável para mim me deixou abandonar o casaco.
Eu estava sentada no chão absorvendo ao máximo o calor vindo do fogo que ardia na minha frente. Matt sentara na minha cama e olhava para o quadro acima de mim pensativo.
- Você mudou bastante.
Eu absorvi lentamente o que ele havia dito. No fundo eu sabia que isso havia acontecido, mas não sabia o quanto isso havia alterado no modo em que as pessoas me viam. Eu olhei para ele tentando identificar algum sinal de decepção em seu rosto mas não encontrei.
Eu me deitei ao seu lado, encostando a cabeça em seu peito me acostumando com o silencio. Ele ficou quieto também, afagando meu braço e encostando seus lábios no meu cabelo.
Eu pensei um pouco até tomar coragem para perguntar.
- Em que sentido?
Ele demorou um tempo para responder.
- Você parece mais livre. Antes você parava e pensava no que ia fazer e isso te levava a ser restrita a razão, mas hoje, como naquela hora lá embaixo, você foi você mesma, agiu como tinha que agir, ou que pensava que era o certo agir. Por isso não te interrompi, você lidou com aquilo sozinha. – Matt falou pensativo, porém suas palavras traziam um pouco de orgulho.
Eu refleti sobre o que ele havia dito. E cheguei a conclusão que aquilo era verdade. As coisas que haviam acontecido, tudo desde a primeira vez que eu os vi, havia acontecido uma grande mudança no meu modo de ver tudo. Eu sempre fui a tímida garota de cidade pequena, não movendo um dedo pra mudar algo que já estava numa rotina. Eu só havia encarado a morte uma vez, e a anormalidade nesse mesmo dia.
Mas me convenceram que parte daquilo que eu havia visto, tinha sido da minha cabeça e eu resolvi concordar com isso, mesmo que me matasse por dentro a possível culpa. Eu não era de muitos amigos e nem de conversar, me acostumei a não contestar nada do que era me dito e sempre concordar, e concordar.
E agora? Eu tirei um peso das minhas costas ao descobri que eu não tinha imaginado nada daquilo. Em compensação eu agora carregava o peso de varias mortes. Por que sim... Eu me culpava por algumas coisas que tinham acontecido. E aquela pergunta martelava na minha cabeça, por que eu?
Eu podia estar aqui agora deitada ao lado de minha mãe conversando por algo que tivesse acontecido hoje ou rindo com meu irmão e meu pai.
Varias opções de um destino mais justo apareceram na minha frente e pensar em cada uma delas era doloroso. Eu me apeguei ao mais possível e ao mais provável. Eu iria passar o resto da minha vida aqui, em segurança, tentando não dar um passo em falso que pudesse acabar com a vida de mais uma pessoa. Esse lugar aqui me aspirava segurança e isso me ajudava a seguir com esse pensamento.
Por ultimo, eu pensei em algo que havia passado em minha mente muito esporadicamente e agora eu havia decidido que teria que acontecer. Eu iria abrir mão da minha humanidade. Era a forma mais certa de me manter fora de problemas, e além disso era a única forma de ficar com eles. A cada batida do ponteiro meu corpo funcionava mais rápido do que o deles e me deixava mais velha.
Eu estava empenhada a me concentrar nessa opção e tinha certeza que podia viver feliz com ela. Eu teria Sam e Matt, para sempre. Eu sorri com essa idéia.
- Seus pensamentos andam mais complexos e determinados a cada dia. – a voz de Sam me assustou. Eu não havia o visto chegar. Ele estava parado perto de nós. Seu rosto estava sereno diferente da ultima vez que nos vimos. Seu cabelo caindo nos olhos e um pouco rebeldes. O jeito me lembrou o de Luke e eu fiz uma breve careta.
Então ele havia escutado meus pensamentos. Então conseqüentemente havia escutado a parte da transformação, e eu agradeci por isso. Não saberia nem por onde começar uma conversa com ele sobre isso.
Eu me sentei na cama apoiando a cabeça na cabeceira. Matt ao meu lado se levantou e ficou desconfortável, Sam não era a melhor presença para ele.
Tentei fazer uma coisa nova, porque sabia que falar esse assunto alto afetaria Matt.
‘ Você entendeu o que eu quero, certo?’ perguntei mentalmente para Sam.
Ele acenou com a cabeça e disse com uma voz firme.
- Conversaremos sobre isso depois, temos tempo.
Matt fez uma careta entendendo que estávamos fazendo o típico joguinho mental de Sam. Um silêncio constrangedor nos cercou e eu podia sentir um clima na presença dos dois juntos ali. Eu não gostava disso, mas eu sabia que seria impossível desfazer essa implicância vinda dos dois. Eles eram completamente diferentes e a única coisa que os unia, ou obrigava eles a ficarem perto um do outro, como agora, era eu. Sam parecia mais relaxado naquela situação, ao contrario de Matt que se mexia desconfortavelmente.
Entendi nesse momento, que eu nunca poderia ter os dois de uma vez, mesmo que eu quisesse. Sempre um havia que ceder sobre a presença do outro. Bem, dessa vez foi Matt.
- Eu tenho que... Ah, fazer algumas coisas. – eu sabia que não havia nada para se fazer.
Eu forcei um leve sorriso compreensivo e ele veio até onde eu estava me beijando na testa.
- Durma bem minha Anne.
E ele saiu do quarto se movendo rapidamente. Eu me virei para Sam esperando ver como ele havia reagido à desistência de Matt. Ele me olhava com uma careta exagerada.
- É realmente serio isso? Você e ele? Juntos? – ele sentou do lado oposto da cama, me olhando com uma certa esperança.
- Já conversamos sobre isso. Se eu fosse você, começava a tratar melhor o seu cunhado.
Sua careta aumentou me fazendo rir. A quanto tempo que eu não fazia isso?
- Como foi o resto do seu dia? Eve me contou sobre o que aconteceu com Alex. – ele inspirou o ar demoradamente – Você está bem sobre isso?
- Bem na verdade. Estou mais preocupada em como ele vai lidar com essas coisas. Eu sei como é complicado engolir algo como isso.
- Você acreditou de primeira. – disse Sam. – O que foi realmente espantoso. A reação que Alex teve é sempre a mais esperada. Humanos têm certa aversão em acreditar em coisas que fogem de sua realidade.
- Eu também me espanto com a facilidade que eu acreditei. – confessei.
Sam abriu a boca para comentar alguma coisa, mas a fechou logo em seguida. Uma pergunta surgiu em minha mente a qual mais cedo me faltou a resposta.
- Meu sobrenome Sam... Qual usarei agora?
Ele pareceu surpreso com a pergunta.
- Eu não tinha falado antes? Me desculpe Anne. – disse sincero – Anne De La Met.
Anne De La Met. Soava legal. Seria difícil de me acostumar, mas eu tinha que. Sam repetiu aquele movimento de antes, como se quisesse falar alguma coisa e desistiu no meio do caminho. Aquilo havia me deixado frustrada.
- O que é Sam? – perguntei intrigada.
Ele se calou por um tempo.
- O que você estava pensando antes de eu chegar aqui. Você parecia bem em abrir mão de tudo.
Eu o avaliei antes de continuar, tinha medo de dar um passo em falso e Sam chegar a conclusões erradas.
- É a solução para a maioria dos problemas.
Ele concordou com a cabeça.
- Só queria entender algumas coisas antes de dar esse passo. – minha voz saiu firme e esperei que isso me ajudasse a convencer Sam.
- Creio que você terá que esperar para dar esse passo. – o tom que ele falou não me agradou nem um pouco.
- É o que eu quero. Você não tem como me impedir. – bom, na verdade tinha. Mas eu não ia admitir isso.
Ele ficou em silencio novamente me olhando com aquela estranha expressão.
- Se você não fizer Matt faz. – eu estava blefando novamente. Era claro que Matt nunca toparia fazer isso, mas talvez eu arrumasse outras formas. Eve por exemplo.
- Não é o caso de quem irá fazer, ou qualquer coisa. Simplesmente você não pode entende?
Eu esperei quieta ele continuar.
- Leonard disse que você está fraca. Não podemos arriscar, você tem que estar preparada.
- O que eu tenho que fazer para ficar mais forte? Vitaminas? O que for. – eu estava disposta a tudo.
Sam me olhou de uma forma nada encorajadora.
- O que foi? – minha voz deixando escapar um pouco da histeria que me tomava.
- Não é a sua parte humana que está te deixando fraca. É a outra parte que precisa de alimento.
Longos segundos se passaram até eu entender completamente o que Sam estava me dizendo.
- É impossível eu fazer isso. – choraminguei.
- Não é impossível Anne – ele parecia mal em admitir isso – Mas eu não queria te forçar a fazer algo assim.
Eu podia ver a verdade em suas palavras. Eu me forcei a fazer a próxima pergunta.
- É muito necessário?
Ele afirmou com a cabeça fazendo meu coração dar um aperto.
- Você está fraca. Não aparenta mais está. A situação pode piorar. Não queremos apressar as coisas mas essa era uma decisão que teria que ser tomada logo. Eu queria te propor algo menos doloroso, mas infelizmente não posso. Desculpe Anne. – ele ficou desajeitado com as palavras.
Eu em lembrei das vezes que essa outra parte de mim havia se manifestado, de como aquele misto de desejos tinha se apoderado de mim. Eu estava disposta a tudo para ver as coisas dando certo de vez, e aquilo se encaixava em ‘tudo’.
Eu me ajeitei na cama e tentei ser o mais confiante possível.
- Como faremos isso?
Sam se espantou pela minha mudança de comportamento.
- Você tem certeza Anne?
- Não tenho opções.
Eu podia ver que ele não estava gostando muito disso assim como eu. Ele levantou e fez uma rápida ligação. O tempo que eu levei tomando coragem para perguntar para quem ele estava ligando, foi o mesmo para Eve entrar no quarto trazendo na mão duas garrafas de vidro que lembravam ser de cerveja. Mas eu sabia que não era isso que estava dentro daqueles frascos. Algo dentro de mim dizia que era desses mesmos frascos que Eve me falara noite passada.
Algo dentro de mim me dizia o quanto aquilo era errado e perturbador. Eu era humana em certos aspectos e nada mudaria isso. Mas mais afundo na minha consciência eu desejava aquilo. Eu não havia esquecido como eu havia me sentindo no dia que eu provei pela primeira vez. Era insano, mas prazeroso. Aquele líquido escarlate havia me proporcionado algo impossível até antes.
Eve me entregou a garrafinha cautelosa, ela alternava os olhares entre Sam e mim. Os dois compartilhavam o mesmo olhar: preocupação. Algo dentro de mim sabia que eles haviam conversado muito antes de tomar a decisão de me oferecer aquilo. Mas como Sam disse: Era necessário, não havia uma segunda opção para isso.
Além do mais, isso era algo que eu teria que fazer por um longo tempo.
- Certeza? – Sam me perguntou novamente.
Dessa vez eu apenas acenei. E eu provei o primeiro gole.
Meu corpo todo ficou dormente e minha mente só se focava naquilo que eu estava bebendo. O gosto era diferente daquele que eu havia provado, tinha um leve amargo no final, mas mesmo assim, eu queria mais e mais. Não necessitei de mais goles para terminar com a garrafa inteira, eu nem lembrei de respirar quando estava imersa ali.
Eu terminei ofegante. Minha mente aos poucos se livrava dos efeitos do sangue e ia se clareando. Com o final de todo aquele frenesi, eu comecei a me sentir mal. Isso é insano, errado. Eu não conseguia parar de me culpar por sentir prazer com aquilo.
Limpei minha boca no casaco e entreguei a garrafa na mão de Eve. Eu evitava olhar nos olhos dos dois com medo de haver algum sinal de reprovação. Eve fez menção de me entregar a outra garrafa, mas Sam a afastou.
- Por hoje basta.
- Desculpe. – choraminguei depois de um tempo.
Sam me envolveu em seus braços me puxando para o seu lado. Eu afundei meu rosto no seu peito procurando um abrigo. Ficamos um longo tempo assim e eu comecei a ficar cansada, meus olhos mal conseguiam abrir. Aos poucos eu fui apagando e entrando, para minha sorte, em um mundo sem pesadelos. Meus sonhos eram distorcidos, mas ainda eram sonhos e isso era um alivio.
Eu senti algo me mover e relutante eu abri meus olhos. Sam estava tirando meus sapatos. Ele deu um leve sorriso pra mim e me cobriu com um edredom. Ele beijou minha testa e eu recuei a sensação gelada, mas ele não pareceu notar.
Sam começou a se afastar e eu protestei.
- Já vai? – minha voz grogue.
- Continue dormindo Anne. – sua voz era doce e amável.
- Você não pode ficar mais aqui?
- Tenho alguns problemas para resolver. Irei voltar amanha pela noite. Mas Eve estará aqui para o que você precisar.
Percebi que Eve estava sempre ao lado de Sam e o ajudando. Eu ia fazer um comentário sobre isso, mas acabei escorregando para meus sonhos.
Um fio de luz adentrou no quarto, mas não foi o bastante para me fazer levantar da cama. O tempo parecia mais frio e mesmo usando diversas cobertas eu senti minha pele ficando gelada.
Um barulho familiar me fez acordar finalmente. Olhei para janela confirmando. Uma forte chuva batia nos vidros. Olhei amargurada para o céu, sabendo que meu passeio a cavalo estava arruinado. As nuvens estavam escuras e pouco se via do sol.
Mesmo com a forte chuva do lado de fora, alguns vampiros usavam a água que caia do céu para limpar seu carro. Meu pai fazia isso. A dor da lembrança começava a me machucar. Ele não é seu pai de verdade, Anne. Repeti diversas vezes para mim, enquanto procurava algo para fazer.
Sam me dissera que não estaria aqui de manhã então, mais uma vez fiquei presa ao dilema de descer ou não sozinha as escadas. Eu sabia que eles não iam me machucar, na verdade nem era esse o problema, eu tinha medo dos olhares, eles sim me deixavam receosa.
Tomei um banho quente e logo me encontrei parada em frente a porta vestindo um casaco grosso. A cor não me agradou muito, rosa, mas ele tinha sua utilidade num dia frio como esse. Minha mão hesitou na maçaneta, tomando coragem para vira-la.
Não foi difícil encontrar a cozinha, Eve estava me esperando lá dentro. Ela me desejou bom dia e me entregou uma pequena bandeja com pão, queijo e frutas.
Eu comi silenciosamente, olhando para Eve de vez em quando.
- Sabe onde Matt está? – disse logo que acabei.
Ela acenou que não.
- Matt saiu mais cedo.
Tentei esconder ao máximo minha cara de frustração.
- Mas ele não deve demorar. – ela disse indo em direção a porta, antes que ela saísse, eu chamei seu nome.
- Diga Anne.
- Posso te pedir um favor?
- Sempre.
Eu hesitei procurando as palavras certas para usar.
- Pode não comentar aquela... hm... Coisa de ontem com o Matt? Por favor, não tenho certeza de como ele reagiria.
Ela me encarou e deu alguns passos em direção a porta novamente.
- Tudo bem, também não tenho certeza de como ele reagiria.
Sua reação fria me deixou confusa. Fiquei ali adiando minha saída o máximo que pude. Pra onde eu iria agora?
Uma opção surgiu.
Eu comecei a andar em direção as escadas, mas acabei parando graças ao que vi.
Luke e seu grupinho de patetas estavam sentados nas escadas, bem o grupinho parecia ter crescido bastante. O que mais me assustou foi que ele não era formado só de humanos. Uns 8 vampiros se juntaram a eles. Todos pareciam ser um pouco mais velhos que ele, mas mesmo assim, eu podia sentir a liderança dele sobre eles. Uma vampira loira e bonita estava agarrada a Luke, parecendo estar extremamente satisfeita com aquilo.
Todos calaram a boca assim que me viram. Luke me deu um daqueles sorrisos odiosos que ele havia feito ontem. Eu focalizei o pequeno espaço que não estava tomado por eles e comecei a andar até eles. Luke parou na minha frente trazendo consigo a loira que estava do seu lado antes.
- Bom dia... – antes que ele pudesse completar a frase e o interrompi.
- Saia.
- Bom... – ele começou novamente.
- Saia!
Ele me deu um longo olhar de desprezo e saiu da frente. O resto do grupo soltava altas risadinhas.
Eu subi a escada o mais rápido que consegui e entrei no corredor que eu havia estado ontem de tarde. A porta estava sendo guardada por um vampiro alto e bonito. Ele tinha cabelos escuros e uma aparência feroz. Por alguns instantes eu achei que ele ia me barrar a minha entrada, mas assim que cheguei perto o bastante ele abriu a porta.
O quarto estava todo revirado, duas cadeiras e uma mesa estavam de cabeça para baixo. Toda roupa de cama estava espalhada pelo quarto, até uma fronha estava presa na luminária do teto, o colchão estava jogado perto da porta. O único móvel que permanecia no lugar era a cama, e percebi que esse fato era por que ela era pregada no chão.
No canto perto da única janela do local estava Alex. Ele parecia mil vezes pior do que ontem. Ele descansava as costas na parede e olhava para fora parecendo estar distante. Reparei em seus olhos vermelhos provavelmente de tanto chorar.
Ele não dirigiu o olhar a mim, mas eu sabia que ele tinha me visto. Me sentei ao seu lado cautelosamente, ele continuando imóvel.
- Como você está? – minha voz saiu tão baixa que se ele não tivesse virado pra mim, eu acharia que ele não teria ouvido.
- Pior. Muito pior. – a voz dele me fez estremecer. – Como você consegue? Andar no meio deles, desses monstros, sem ter medo?
Eu não gostei da palavra que ele usou ‘monstros’, mas notei que era hipocrisia de minha parte, já usei essa palavra pra denominar eles.
- Eles não vão me machucar. – eu tentei passar o máximo de confiança na minha voz – Eles não vão te machucar.
- Como você pode ter certeza disso?
- Apenas tenho. – e era verdade.
Ele pareceu não se convencer e se calou.
- Só queria entender o que eu tenho a ver com toda essa historia.
Eu o analisei. Ele não sabia. Não contaram pra ele a parte em que ele se encaixa aqui. Não sabia se era certo contar, ou se era para eu fechar a boca. Mas já era tarde demais, ele notou que eu sabia de algo.
- O que é Anne? O que está acontecendo?
Uma voz na minha cabeça repetia que era errado falar algo que pelo visto não era pra ser contado, mas ao mesmo tempo, outra dizia que o mais errado era esconder aquilo dele.
- Por favor. – ele me olhava suplicante.
- Não sei se é certo... – sussurrei.
- Certo? O que você acha que é certo então? Me manter aqui, sozinho, longe de tudo, sem poder falar com ninguém, sem poder avisar meu pai que eu estou bem, sem nem mesmo saber o por que disso tudo?
Era verdade. Era errado e mais que tudo, injusto fazer isso com ele.
- Bem, eu não sei de muita coisa...
- Mas sabe de pelo menos algo.
- Sim... – admiti. – É difícil de explicar.
- Você foi capaz de me dizer que vampiros existem, espero que isso não seja algo pior.
‘’É sim, você é metade humano, metade vampiro’’ disse mentalmente. Diabos, por que é tão difícil falar coisas assim?
- Bem, você é como eu. Somos diferentes e iguais ao mesmo tempo das pessoas que vivem aqui. – legal, não disse nada com nada. Parabéns Anne.
- Você quis dizer dos vampiros?
- Yeah.
Seu rosto estava confuso. Bem, tente ser mais especifica dessa vez.
- Meios vampiros, meios humanos. – ok, um tanto menos especifica, mas o estrago já estava feito.
Assim como ontem, eu vi varias expressões passarem pelo rosto dele, só que diferente da ultima vez, a ultima que permaneceu ali, foi de alivio.
- Achei que estava ficando louco.
Varias coisas passaram pela minha cabeça. Será que não era somente eu que via e sentia aquelas coisas? Será que ele precisava da mesma coisa que eu, do sangue? Engoli seco.
- Eu tenho sonhado com coisas assim todo tempo. – começou ele me explicando – Aquele homem, que estava na porta da minha casa, sonhei duas vezes com ele noites antes. Era estranho como se eu estivesse...
- Vendo pelo ponto de vista dele. – completei.
Então não era só comigo. Tive o pensamento egoísta de que era bom eu não estar sozinha nesse barco.
- Você também.
- Yeah, eu também.
Ficamos um tempo em silencio.
- Acontece sempre com você? – ele perguntou.
- Bem, de uns dois meses para cá. Era mais fraco antes, mas agora não consigo fugir. E nem sempre eu estou dormindo quando acontece.
Ele cerrou os olhos.
- Como?
- Eu sou puxada, sinto uma horrível dor de cabeça e pronto. Começa.
Ele ficou calado por algum tempo, pensando em algo.
- São só pesadelos, não?
Eu acenei negativamente.
Contei a ele de todos meus pesadelos. Daquele que fez com que os outros conseguissem invadir a outra casa. Aquele era o pior porque o envolvia. Não queria piorar a situação. Além de pior, aquele era o mais enigmático. Não havia passado de uma ilusão certo? Uma armadilha?
- Então somos ligados a aquele cara de alguma forma? – ele perguntou no final.
- Sim. Isso explicaria o porque que vemos e sentimos coisas que ele está vendo e sentindo.
Ele respirou algumas vezes. Ele parecia exausto e provavelmente não dormia a tempos. Eu me levantei, ele precisava descansar e eu estava ali atrapalhando tudo. Mas antes que eu desse algum passo ele agarrou minha mão rapidamente. Eu fiquei rígida e meu coração acelerou. Fazia tempos que eu não sentia o contato de uma pele quente.
- Por favor, fique. – ele abaixou suas mãos novamente
- Você precisa descansar.
- Prometo assim que você me responder só mais uma pergunta.
Eu hesitei, mas por fim acabei concordando.
- Diga. – disse me sentando no chão, um pouco mais afastada dele do que antes. Eu ainda estava assustada pela minha reação ao seu toque.
- Você disse que somos vampiros e humanos... Como isso aconteceu?
- Ninguém sabe. Só uma tese.
- Qual?
- Bem, uma grande transfusão de sangue. É confuso, mas pelo o que me falaram ela aconteceu a muito tempo. Por isso nosso cheiro estava meio encoberto. Demoraram um tempo para descobrir que eu era assim. – minha voz estava mais firme do que antes.
- Espera... Pra eu ter essa grande transfusão de sangue, eu teria que perder sangue... Certo? – percebi que ele havia descoberto algo.
- Nunca pensei dessa forma, mas por que?
Ele estava mais agitado agora.
- Bem, eu tinha um ano quando sofri um grave acidente de carro. Minha mãe morreu nele, e todos achavam que eu tinha morrido também... Desapareci por quase um ano, até que misteriosamente apareci em frente a igreja da cidade. Eu era pequeno demais pra lembrar de alguma coisa.
Eu havia esquecido que ele era órfão de mãe. Aquilo me lembrou do que Sam havia me falado. O tempo que eu fiquei desaparecida, entre o rapto e a entrada no orfanato. Tinha que haver alguma ligação entre isso.
- Nenhuma evidencia do que aconteceu? Nada? – eu precisava de pistas, provas. Eu queria resolver toda essa coisa.
- Nada. Só uma cicatriz do acidente. – ele levantou de leve a blusa na parte das costas. Uma cicatriz de pelo menos uns 30cm estava ali. Era mais clara que a pele dele, e me causou arrepios. – Isso pode ajudar em alguma coisa?
- Eu não sei.
- Ultima pergunta prometo. Vou ficar aqui pra sempre, não é? – disse ele triste. Aquilo doeu meu coração, mas eu não conseguia mentir. Ele deve ter visto a resposta nos meus olhos, mas algo em mim já dizia que ele sabia dela.
- Não é tão ruim, eu já disse... Eles nunca vão te fazer mal.
Ele ia começar a discordar, mas eu o interrompi.
- Você disse que era a ultima pergunta. Pronto... Agora descanse.
Ele não pareceu satisfeito mas levou o colchão de vota pra cama e deitou. Antes de sair pela porta ele gritou meu nome.
- Sim?
- Você volta amanha ?
Eu sorri e assenti.
Voltei para o meu quarto pela falta de opção. Me sentei perto da janela espiando a chuva caindo do lado de fora. As gotas batiam no vidro e escorriam até o parapeito da janela. Fiquei pensando e repensando inúmeras vezes tudo o que estava acontecendo, o que aconteceu e o que pode acontecer. Eu me sentia completamente impotente sobre meu futuro.
‘’Só quero uma vida normal’’ uma voz ficava repetindo dentro de mim.
Encostei meu rosto no vidro gelado e meus olhos foram ficando mais pesados. Mesmo tendo acabado de acordar, meu sono foi bem vindo.
- Isso não é lugar de você dormir, Anne. – uma voz doce me despertou.
Eu não precisava abrir meus olhos para saber que era ele que estava aqui.
- Matt. – disse com ternura.
Ele me puxou para cima. Eu tropecei e cai em seus braços. Meus reflexos eram lentos e eu tinha acabado de acordar, ele esperava mesmo que eu conseguisse me virar e ainda não caísse? Ele se divertiu com meu mal jeito e riu, me puxando mais para perto.
Ele beijou minha bochecha carinhosamente e depois meus lábios. Eu já tinha me acostumado com a sensação gelada. Eu enterrei meus dedos em seus cabelos e o puxei mais pra perto. Senti uma certa relutância primeiramente, mas aos poucos ele se entregou.
Minha respiração começava a ficar ofegante e fiquei com medo de que ele se afastasse. Mas pelo contrario, nosso beijo começou a ficar mais quente. Suas mãos agarradas a minha cintura.
Eu o puxava para perto cada vez mais e dei alguns passos para trás. Mais uma vez o meu jeito desastrado atrapalhou tudo e eu acabei caindo na cama, e levei Matt comigo. Ele flexionou os braços impedindo que caísse em cima de mim.
Mesmo com toda essa situação, eu queria continuar o que estávamos fazendo antes. Levei minha boca de encontro a dele, mas dessa vez para o meu desagrado, ele se afastou.
- Vamos parar por aqui. – ele trazia no rosto aquele meu sorriso travesso preferido, que vinha de bônus aquele carinho imenso transmitido pelos olhos.
- Tem certeza que você quer isso?
-Não, mas as vezes alguém tem que agir com a razão.
Ele riu e me arrastou para a cama deitar reto na cama. Ele deitou ao meu lado e começou a mexer com mechas do meu cabelo.
- O que você fez na minha ausência?
Eu ainda estava irritada pela nossa interrupção e demorei alguns segundos a mais para respondê-lo.
- Fui visitar o Alex.
Eu senti seu corpo ficar rígido.
- Por que... Quero dizer, como ele está?
- Bem pior. Simplesmente esqueceram-se de contar a ele da sua parte vampira. Por que de alguma forma isso se tornou irrelevante. – disse ironicamente.
- Sam achou que deveríamos esperar... Você não falou nada, não é?
Por uma fração de segundo eu me senti culpada por ter aberto a boca, mas logo aquele pensamento de ‘injusto era esconder’ voltou.
- Falei o que tinha de ser falado.
- Sam não vai gostar nada disso. – disse Matt desaprovando meu ato.
- Só tenho que lamentar por ele. É injusto esconder isso dele. E além do mais ele pode ser útil.
- Útil como? – percebi que despertei uma onda de curiosidade em Matt.
- Ele é igual a mim em todos os sentidos. Os sonhos, Matt, ele os têm também.
A respiração dele acelerou um pouco.
- Sam precisa saber disso.
- Contarei assim que ele chegar.
Conversamos por muito tempo, só pausando para que eu pudesse almoçar. Matt trouxe a comida até meu quarto e me olhava pacientemente, como fizera outras vezes, até que eu acabasse.
O sol já estava se pondo quando alguém bateu a porta. Era Sam. Finalmente ele havia chegado.
- Olá Anne. – disse ele sorrindo. Ele acenou de leve para Matt ao meu lado e ele retribuiu. Aquilo já era um bom começo.
- Sam. – eu estava satisfeita em vê-lo bem.
Eu sabia que não podia forçar muita coisa, então poucos minutos após a chegada de Sam, Matt se despediu e saiu para fazer algo como ontem. Ele me desejou boa noite e saiu rapidamente.
- Nunca poderei ter os dois ao mesmo tempo, não é? – perguntei a Sam.
- Nunca diga nunca Anne, as coisas sempre mudam.
Eu sabia muito bem disso.
- Fui ver Alex mais cedo.
Ele revirou os olhos.
- Fiquei sabendo. Fez alguma besteira, não é?
- Se besteira pra você é falar a verdade pro garoto... Yeah, eu fiz.
Ele me lançou aquele olhar penetrante, eu sabia o que ele estava fazendo. Poucos segundos depois sua cara mostrava frustração.
- Fora de sintonia? – perguntei.
Ele assentiu.
- Você não deveria ter dito nada. Ele já estava mal, imagino que esteja pior agora.
- Ele me parecia melhor. Me disse que imaginava algo assim. Ele tem os sonhos Sam, não é só eu.
Sam ficou surpreso e se aproximou mais de onde eu estava.
- Aqueles sonhos?
- Eles mesmos. Além disso, lembro que você me disse de uma diferença de anos entre quando eu desapareci e quando dei entrada no orfanato... Bem, Alex também!
- Seja mais especifica, Anne.
- Ele sofreu um acidente, quando era muito pequeno, e desapareceu por quase um ano.
Sam ficou pensativo e levantou em seguida.
- Preciso trabalhar mais nisso. É algo importante, não posso deixar passar. – ele beijou minha testa e sorriu. Eu segurei suas mãos.
- Deixe Alex descansar. Resolva isso amanha! Por favor.
Ele hesitou e por fim acabou concordando.
- Amanha de manhã verei isso.
Bocejei.
- Você também precisa descansar. – disse Sam notando – Ande, vamos comer alguma coisa...
- Estou sem fome Sam.
- Nada disso, você precisa se alimentar.
Sam não deixou que eu discutisse e me trouxe um prato de macarronada. Eu estava realmente sem fome, mas comi um pouco para não ter que ficar ouvindo dele.
- Sam? – disse entregando meu prato a ele.
- Sim?
- Quem são os pais do Alex?
- Ahn?
- Bem, os pais deles são vampiros... Não?
- Alex é humano, ou bem... Era.
- Então, ele não tinha nada haver com isso? Ela podia ter uma vida normal?
Sam só assentiu. Alex poderia viver uma vida normal. Se apaixonar, ter filhos e não entrar nesse jogo de vida ou morte. Eu desde que nasci, mesmo sem saber, meu destino já estava escrito, um dia ou outro eu teria que entrar nesse jogo. Mas Alex não. Aquilo despertou uma raiva.
- Durma. Amanha nos falaremos de novo.
Faltava somente uma pergunta.
- Não preciso repetir a dose de ontem? – não tive coragem de ser direta, mas Sam entendeu.
- Vamos fazer dia sim, dia não... Ok? Não quero te forçar a passar por isso todo dia. – ele afagou meu rosto e saiu porta afora.
Eu joguei minha cabeça para trás, implorando para o sono vir logo e eu não ter que ficar pensando em tudo o que estava acontecendo.

Duas semanas se passaram.
Eu havia criado uma rotina, de manha sempre visitava Alex e conversava sobre diversas coisas. Ele sempre me pedia para voltar no dia seguinte e eu via uma certa melhora no seu comportamento, ou pelo menos não tinha nenhum móvel espalhado pelo quarto. Eu tentava fazer ele dar uma volta comigo, sair daquele lugar, mas ele não queria, e Sam pediu para que eu não ficasse insistindo.
A tarde, eu passava com Matt. Ele passava maior parte do tempo fora, assim como Sam, e toda vez que eu perguntava aonde ele ia, ele simplesmente dizia que tinha que fazer coisas. A cada dia eu passava a amá-lo mais. Ele era gentil e delicado e fazia tudo para me ver bem.
Sam era o que eu menos via. Notei que ele era muito ocupado e eu entendia o porquê. Ele passava a maior parte do tempo fora da propriedade, mas sempre que podia ia me visitar.
Eu estava feliz dentro das possibilidades. Eu tentava ao máximo esquecer o passado e estava funcionando bem.
Eu fazia exames regularmente, e Sam dizia que eu estava reagindo bem a minhas doses de sangue e que se tudo desse certo, dentro de algumas semanas eu poderia ser transformada. Aquilo me deixava ao mesmo tempo com medo e ansiosa. Mas eu sabia que poderia ser o único jeito de ter tudo o que eu queria sem problemas.
Pude dormir em paz durante esse tempo. Sem sonhos, sem emoções de outras pessoas, sem problemas.
Mas minha paz tinha terminado agora, eu estava dormindo quando senti aquela sensação de estar sendo puxada.

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Bem, demorei mais tempo pra escrever esse capitulo, mas veio mais caprichado dessa vez HUAUHAAHUHAUHA
Queria agradecer mais uma vez a todos que leem. É serio, um dos motivos de eu fazer isso é por vocês.
Comentem se puderem sobre o que acharam do capitulo, se merece mudar alguma coisa, ou se está bom do jeito que está!
E quem acompanha, se puder entrar na comunidade , ou agradeço:
http://www.orkut.com.br/Community?cmm=59609542

Amo vocês todos. Beijos

10 comentários:

  1. Nossa amei *-* esse capitulo ta enorme, do geito que eu gosto, heuehueh '
    fico muito, muito bom Ana. Parabens! :)
    Quantos capitulos tem o livro todo?

    bjbj '

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Lindo lindo lindo...quero + + + + +
    e por favor, pare de sumir, posta pelo menos um pokinhu fico anciosa esperando

    Parabéns

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. aaaaaaaaaaaaaaaaaaah manoooo, posta oo mais depressa possivel o resto heein! hunf' . aaa é muutio viciante mano :('

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  6. Quero maisssss....muito bommmmm...

    Bjus

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  7. Ahhh presiso de MAISS URGENTE *-* Plisss Rapidooh S2S2 AMEI o livro PARABENS ;D

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  8. Quero saber o que vai acontecer no "sonho"...

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  9. nÃO VEJO A HORA DE VER O RESTO POSTA AÍ POR FAVOR !
    CAPRIXHA NO PRÓXIMO EIN !

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